quinta-feira, 4 de março de 2010

Sobre relógios e nuvens

Relógios são nuvens, basta deslocar nosso olhar da régua mediana que estabelece os significados convencionais da vida em sociedade.

Muito de perto, desmontados ou não, relógios podem se transformar em volumes esculturais, ricos da imprecisão que atribuímos às nuvens. Muito de longe, eles se reduzem a uma roda, um círculo, um ponto, e portanto podem fazer parte de um novo discurso, igualmente impreciso.

Hélio Leites, quase sempre, vê abaixo da escala mediana, microscopicamente. Vik Muniz, em várias de suas séries, vê o macro, acima da medianidade. Esse deslocamento alarga o horizonte humano, antes de mais nada por puro prazer. Deslocar, pôr em movimento, produz também significado.

Nuvens, sob um olhar deslocado, podem guardar a precisão dos relógios. Físicos buscam essa precisão, ainda que momentânea, embora ainda não a tenham encontrado. Artistas vivem desse deslocamento, ora em direção ao micro, ora ao macro. Não nos contentamos nunca com o lugar comum. Respiramos fluidez.

Ao recortar uma nuvem no papel, ela se geometriza inesperadamente. Foi o que fiz no livro O gato sem nome, no poema gráfico Duas almas se encontram numa nuvem.

É sempre numa nuvem que duas almas se encontram. Nunca na precisão. Mesmo nos momentos mais pragmáticos dos encontros, se é possível dizer assim, o que se dá nasce de uma vagueza e de um esgarçamento só comparáveis às nuvens, vistas desse nosso olhar quase sempre medianamente humano. Quanto aos desencontros, eles se dão num céu carregado de nuvens.

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2 comentários:

Zaclis Veiga disse...

nesse teu jeito, até os desencontros me parecem lindos.

carlos dala stella disse...

Zaclis

mas eles doem que doem.
o consolo é que sinto uma alegria de raiz.

beijo