terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sombras de Santa Felicidade à noite





 






Não sei se penso melhor caminhando, certamente penso mais arejado. O encadeamento entre os pensamentos parece mais fluido, seus elos mais esgarçados. Como ocorre com as nuvens, os pensamentos de quem caminha vão mudando ao sabor do vento, e quando se vê o que se tem nas mãos não é mais um pavão, mas um bizonte. Esse fluxo bastante aleatório do pensamento, quando caminho, ele me põe num estado de displicência alerta, boa para catar imagens com a câmera. Especialmente quando as imagens pertencem a esse mundo tênue das sombras, fluidas elas também, incorpóreas e sutis.
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Lembro de minha nona Isa varrendo o pátio de chão batido de minha casa de infância. Varrendo, os pensamentos se concatenam sob certo rigor, como se entre a geometria das vassouradas cobrindo a área do pátio e o pensamento se estabelecesse uma relação lógica, com princípio, meio e fim. Varrendo, tenho a impressão que meus pensamentos cumprem uma direção e chegam a fazer certo sentido. Mas quem garante que o mesmo se dava com ela? Lembro que ela varria com o esboço de um sorriso nos lábios. E sorrisos assim são insondáveis. Nenhuma gargalhada se compara ao infinito dos meio-sorrisos, discretos e íntimos.
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5 comentários:

aveloh disse...

essa imagem da nona varrendo é fantástica. Na sua crônica já está muito expressiva, mas me parece que está quase pedindo para ser transfigurada numa forma mais cristalizada de arte. Me lembra um desenho de Juarez Machado ou uma cena dos irmãos Taviani. Fiquei com inveja.

carlos dala stella disse...

sabe, Aveloh

tenho alguns desenhos dela, um painel de cimento e uma escultura que cabe na palma da mão. mas em nenhum caso fui até ela, estava trabalhando e ela me aconteceu. literalmente ela se fez em minhas mãos. tenho um temor danado de enfrentar temas tão íntimos. prefiro que eles me alimentem subterraneamente. e cheguem de forma indireta.

agradeço suas palavras com carinho.

aveloh disse...

Carlos,
você tem razão: os temas íntimos são terrenos pantanosos; é fácil escorregar daí para a pieguice. Mas me parece que nesse caso a sua experiência íntima já está devidamente transfigurada, e praticamente à revelia, pelo que você me conta.
Seria pedir demais que você postasse os desenhos, a escultura e o painel de que você fala?

carlos dala stella disse...

Posso, sim. Mas antes tenho que locazizar os que estão comigo. E fazer as fotografias. Aos poucos posto um a um. Será um prazer.

abraço

Lindsey Rocha Lagni disse...

Com certeza se dava com ela também. E comigo também!

Bonitas imagens!

Abço!