segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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CASAL ENAMORADO

(homem flauta e mulher alaúde)

vidro jateado e óleo sobre tela

88x88cm

R$ 4.100,00

(com moldura)

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O cimento e o vidro andam juntos na arquitetura desde o modernismo, com a invenção do concreto armado. Mas não nas artes plásticas. A durabilidade do cimento, com suas qualidades estruturais, quase sempre se sobrepõe à fragilidade do vidro. A consequência é essa cisão de dois materiais tão estreitamente aparentados.

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Provavelmente isso se deva, ainda que não exclusivamente, às características intrínsecas do vidro, como a transparência e a fragilidade. É como se preferíssemos empregá-lo nos vitrais a fazer dele outros usos. Soldar uma peça de cimento numa placa de vidro impõe uma série de dificuldades técnicas não resolvida pela arquitetura, embora os materiais desenvolvidos pela construção civil possam ser usados para isso. Dilatação, flexibilidade e tensão estrutural são três dessas dificuldades.

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Mas mesmo o uso do vidro jateado, essa modalidade menos artesanal da gravura, vai pouco além da mera função decorativa. É como se o olhar sobre esse material fosse quase sempre conservador. Longe ou próximo do uso que dele sempre se fez, há uma dificuldade enorme em aliá-lo a outros materiais, especialmente ao cimento, mas também ao desenho, à tela, à colagem.

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Meio que ao acaso, munido de uma enorme curiosidade, foi essa costura que me ocorreu, incialmente com três painéis de cimento e vidro, que chamei de grafismos, inspirados numa série de abstrações quase caligráficas, feitas com nanquim. Três paineis surgidos de um sonho. Só depois é que empreguei simultaneamente vidro jateado, cimento e tela. Até chegar, fazendo o caminho de volta, ao vidro jateado e colagem, ou vidro jateado e desenho. Há um mundo a explorar aí.

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Esse casal enamorado acima, jateado no vidro, nasceu há anos. A tela preta que aparece por trás está montada a 8 cm do vidro, formando uma pequena caixa. Dois outros vidros foram jateados antes, retangulares, com as figuras separadas. E instalados na casa de um casal de clientes, como pequenas janelas. Entre ambos, a tela de um de meus Ícaros, em cujo corpo inscrevi parte do poema A Torre, de W. B. Yeats. .

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Esse diálogo em camadas, separadas por um vazio, ele não é novidade. Intuíam isso os gravuristas chineses, trabalhando em matrizes novas para cada cor. Embora o resultado da impressão compactasse cada um dos fragmentos do desenho, feitos em tacos separados, dando-lhes unidade, sempre pressenti entre essas camadas, lâminas de vazio. Meu coração gosta de pensar que é nesses vazios que gravitam os sentidos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Nona Isa










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Ayde, aí vão as imagens de minha nona que prometi, pelo menos algumas delas. A escultura e o desenho em azul de meio corpo (um cartão postal que enviei a meu pai) fiz em Monselice, Pádova, em 1987, os outros no ano seguinte, em Santa Felicidade. Tenho até hoje uma forma em isopor de minha nona Isa, que não cheguei a fundir. O último desenho é um estudo para esse painel de cimento que nunca concluí.

Lembro dos losangos de um vestido azul que ela usava e que tentei reproduzir. Lembro principalmente de suas mãos, de um certo jeito de pousar uma sobre a outra, os dedos em vírgula, descansando de ter cortado lenha, trabalhado na horta, alimentado as galinhas... Lembro e lembrando vejo... Nós dois sentados num tronco, entre as árvores, depenando passarinhos, as penas esvoaçando ao súbito vento, no ar fresco da manhã...

.A esculturinha não tem mais do que sete centímetros. Fiz durante uma exposição em Pádova. O dono da galeria me deu uma massa epoxi, chamada DAS, se não me engano, enquanto eu conversava com algum convidado. Peguei uma tampa de caneta bic e comecei a brincar, quase esquecido do que fazia. Ao final da conversa, o susto. Era minha avó, que havia morrido seis dias antes de minha viagem. Quem fez essa esculturinha, que nunca mostrei, foram as mãos de minha memória, auxiliadas por estas com que escrevo agora.

Anos depois, fui limpá-la do pó acumulado no ateliê. Não lembro com o que umideci o pano, se álcool, algum solvente ou água mesmo. Mas lembro que as linhas das comissuras da boca, da testa, do pescoço começaram a sumir. Fiquei desesperado, tentanto interromper o processo. O resultado é esse que você vê numa das fotos, uma série de microfios apareceu não sei de onde. E, ao contrário do que eu temia, a superfície do epoxi se assemelhou à pele de um velho. Novo susto. O de que o imprevisto é um remédio ao qual não deveria me negar nunca.

Quem sabe um dia eu ainda não funda o painel de cimento que hoje é apenas uma placa branca de isopor? Não tenho pressa. Seria como apressar o crescimento de um pé de araçá, ou o amadurecimento de um cacho de bananas. Bananas de estufa não cheiram bem sequer quando apodrecem.

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Alugo Palavras

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Dos sete desenhos para o livro Alugo Palavras, de Miguel Sanchces Neto, este foi para a capa. Usei bico de pena e pincel japonês, além de caneta branca. Ele ilustra/interpreta 0 poema da página 67, que transcrevo aqui:
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UM RETRATO
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Teve o poeta
que atolar suas raízes
nas profundezas da terra
árida da poesia
e podar seus galhos
mais verdes
sorver a umidade pouca
penhorar as folhas ao outono
e concentrar sua força
para segurar
um fruto mirrado
no ramo inatingível.
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Miguel Sanches Neto
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Alfredo Volpi

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Trago pra cá mais um desenho da série Retratos. Fiz esse Volpi em 1989, mas o original se perdeu, ou anda por aí, onde não sei. Fotografei uma fotocópia guardada numa caixa de desenhos antigos. Sob os olhos, no original, as bandeirinhas eram coloridas. Usei nanquim, com bico de pena.

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