quinta-feira, 27 de outubro de 2011

gatos e flores na janela



Há pelo menos 3 meses venho trabalhando com esse tema, que nasceu de uma colagem, ao acaso, sem premeditação alguma. E as variações foram se desdobrando, em óleo, carvão, lápis de cor, grafite, pastel... Um amigo fez menção à doçura do tema. Fiquei pensando nisso, em como me deixo levar pelo que faço, e em como sou escolhido pelo tema. Só mais tarde, muitas vezes com a ajuda do olhar de alguém, me dou conta em que terreno ando metido. Doçura, leveza, essas são as matrizes desse conjunto composto prosaicamente por gatos, flores e janela. Gostaria muito de levar esse tema para um painel de cimento e vidro. Quem sabe. E de onde vem esse aconchego íntimo ao sol da tarde, quem sabe? Do tormento que me vai dentro?





terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eugenio Montale



Depois de semanas tentando verter para o português um poema de Eugenio Montale, cheguei a esta versão, provisória ainda, mas que dá ideia de um tema que me é muito caro: a rarefação, aquele momento em que os sentidos do mundo são suspensos e quando por isso mesmo somos obrigados a inventar um novo olhar, uma nova compreensão, para não sucumbirmos ao súbito vácuo, que pelo menos como pressentimento poderia nos inviabilizar, reduzindo-nos a nulidades de fracasso. O resultado é que podemos sair mais ricos exatamente daquilo que nos foi tirado.



Tiro em pleno vôo


Perguntas por que navego
na incerteza ao invés de singrar
outros mares? Pergunte
ao passarinho que voa livre
por que o tiro vai longe
e se abre em rosácea a rajada?

Mesmo nós não alados
somos atingidos por rarefações
não com chumbo, mas com atos
não em pleno vôo, mas nos átrios
Se por um átimo o chão nos falta
talvez estejamos salvos.


Il tiro a volo


Mi chiedi perché navigo
nell’insicurezza e non tento
un’altra rotta? Domandalo
all’uccello che vola illeso
perché il tiro era lungo e troppo larga
la rosa della botta.

Anche per noi non alati
esistono rarefazioni
non più di piombo ma di atti,
non più di atmosfera ma di urti.
Se ci salva una perdita di peso
è da vedersi.


Tradução de Carlos Dala Stella

terça-feira, 18 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Óscar Hahn 6

NIETZSCHE NO SANATÓRIO DA BASILEIA



Esta descida dura uma eternidade

Aqui se cozinham vivos os peixes dos sentidos

Chegou o tempo do descanso que não descansa
Quando os cães seguem santas e fantasmas

Então minha mãe e minha irmã resmungaram sem voz
E o que você sabe de tudo isso?

Duas vezes me enterraram nesse outono, mãe

De repente um furacão me afastou as asas com violência
e o caixão se abriu

Que faz minha irmã no bosque?
Seu fantasma nasceu de minhas cinzas

Minha espada quer provar seu sangue
e brilha ardente de desejo

Minha mãe é este vento que seca as árvores frutíferas

E o que você sabe de tudo isso, resmungaram sem voz

As crianças e as papoulas são inocentes
mesmo em sua maldade, recitaram em coro

Ainda ouço o matraquear daqueles rostos
O de minha mãe e o de minha irmã

A terra tem pele e essa pele está coberta de enfermidades
replicaram chorando

Escute filho, você é uma noite de risos macabros
De onde vem esse vomitório?

Vêm do fundo de tuas profundezas, escute
Agora derreto ao sol e os cães me lambem a pele

Você é um banhado de morte no pesadelo
dos condenados ao sonho, gritaram as bruxas

Sou um banhado de sonhos no pesadelo
dos condenados à morte, queridas

Então voltaram a resmungar sem voz
E o que você sabe de tudo isso?

Vão as duas pro inferno, respondi

Esta descida não acaba nunca


Tradução de Carlos Dala Stella

NIETZSCHE EN EL SANATORIO DE BASILEA
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Esta calle que baja dura una eternidad

Aquí se cuecen vivos los grandes pensamientos

Ha llegado la hora del descanso en que no se descansa
Cuando los perros creen en santos y en fantasmas

En este punto mi madre y mi hermana preguntaron sin voz
¿Y qué sabes tú de todo eso?

Me han enterrado dos veces este otoño mamá

De repente el huracán me separó las alas con violencia
y el ataúd se rompió

¿Qué hace mi hermana en el bosque?
Su fantasma salió de mis propias cenizas

Mi espada quiere beber de su sangre
y centellea con ardiente deseo

Mi madre es un viento que seca los árboles frutales

Y qué sabes tú de todo eso preguntaron sin voz

Los niños y las amapolas son inocentes
hasta en su maldad recitaron en coro

Ahora oigo sonar sus viejas caras
Las de mi madre y las de mi hermana

La tierra tiene piel y esa piel padece enfermedades
replicaron llorando

Es cierto hijo que eres una noche de oscuras risas
¿De dónde sacas lo que vomitas?

Sal de tus profundidades oye
Ahora el sol me derrite y los perros me lamen la piel

Eres un charco de muerte en las pesadillas
de los condenados al sueño me gritaron las brujas

Soy un charco de sueño en las pesadillas
de los condenados a muerte queridas

En este punto volvieron a decirme sin voz
¿Y qué sabes tú de todo eso?

Váyanse al mismo diablo les dije

Esta calle que baja no acaba nunca de bajar


Óscar Hahn


Mostro aqui mais uma tradução minha, em alguns momentos relativamente livre, do poeta chileno Óscar Hahn, cuja obra conheci e venho lendo desde o início deste ano. O poema sobre Nietzsche foi publicado no livro Versos Robados (1995), que abre com a sugestiva epígrafe: Todos os meus versos são alheios/Talvez sejam roubados. Em postagens anteriores, publiquei outras traduções desse poeta infelizmente ainda inédito no Brasil, às quais junto mais esta.

as sementes dos olhos/caderno de ateliê 41

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O segredo de cada um

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Em Prisão Perpétua, do argentino Ricardo Piglia, há dois contos dedicados a dois escritores conterrâneos: Roberto Arlt e Macedonio Fernandez. No conto intitulado Notas sobre Macedonio Fernandez, Piglia cita uma série de notas supostamente atribuídas ao autor de Adriana Buenos Aires. Entre elas uma me chamou a atenção:

                   Nada. O artista está só, abandonado ao silêncio e ao
         ridículo. Tem a responsabilidade de si mesmo. Começa suas
         coisas e as leva a termo. Segue uma voz interna que
         ninguém ouve.
        
         Fiquei surpreso, há algum tempo, quando em uma entrevista a José Castello, no Estadão, Lygia Fagundes Telles formulou a mesma idéia, a sua maneira:

Há uma frase de André Malraux da qual eu gosto muito: “A verdade sobre o homem é, antes de tudo, aquilo que ele mantém escondido”, ele diz. Essa verdade que você está buscando em mim agora está escondida. É o meu segredo e na posse desse segredo reside, talvez, a minha força. Mas essa verdade escondida, eu tento passá-la pela escrita. Na hora em que escrevo, eu a revelo.     

Surpreso não por ver que a voz interna que ninguém ouve, do escritor argentino, era o mesmo que o segredo, da escritora brasileira, eco, por sua vez, daquilo que ele (o homem) mantém escondido, do francês Malraux.
Apesar de belas, e sem dúvida sinceras, ambas as afirmações confirmam a imagem romântica do artista: só, abandonado a si mesmo, ignorado e ridicularizado, possuidor de um segredo íntimo - portanto do poder da revelação. Talvez tudo isso seja mesmo verdade, mas é difícil engolir a solenidade que envolve essas palavras. Parece que somos crianças ouvindo uma conversa de adultos, morrendo de medo de opinar, ou fazer uma graça, e levar um cascudo ou um chute na bunda.
Como incluir entre os eleitos minha empregada, o motorista de taxi, o balconista. Sim, porque se só adquirimos uma voz através da escrita, da pintura, da música, etc, então o resto dos mortais, entre os quais modestamente me incluo, estão condenados à mudez ou à voz de falsete. 
Prefiro acreditar que há infinitas formas, sobretudo mais alegres, menos obsessivas, de expor-se o segredo de cada um; que embora sós, já por uma conjuntura física, podemos nos mostrar ao outro, ainda que momentaneamente e sem arte. Este não é um privilégio dos santos, dos artistas e dos loucos.
Mesmo porque, por um paradoxo, essa voz interior que ninguém ouve talvez esteja mais viva ainda, por exemplo, num homem mudo, quieto no seu canto, aparentemente alheio à grande roda do destino.
É exatamente este o caso de Bernardo da Mata, ex-empregado na fazenda do poeta Manoel de Barros, que hoje praticamente não fala, grunhe, embora no passado ficasse horas diante de um rio, conversando com a água corrente e com os ventos. Num número antigo da revista Bravo! ficamos conhecendo um pouco da história desse que se transformou no alter ego do poeta desde 1985, quando foi publicado o Livro de Pré-Coisas.
Cito algumas linhas:

Sobre seu velho amigo, Manoel de Barros costuma dizer que nunca viu pureza igual. É como se ele encarnasse a loucura e a infância que o poeta quer alcançar por meio da linguagem poética.

         Se por um lado o artista é visto como uma anomalia da sociedade, ou pelo menos como um ingênuo inconseqüente, um inútil, que em algumas circunstâncias pode até ser divertido e economicamente viável, por outro quase sempre ele se vê como um eleito, um vocacionado, como as antenas da raça, por isso superior aos outros.
E tudo por causa da escrita, como se a vida morasse nela, inevitavelmente. Como se o não leitor, pobre dele, estivesse condenado ao desabrigo, não eu e você.


Texto originalmente publicado na Gazeta do Povo

sábado, 8 de outubro de 2011

PRAXILA 2


A VIRGINDADE NO ROSTO


Ei você que olha pela janela um belo moço
e exibe a virgindade no rosto:
és já mulher entre as pernas.


E APPARI COME VERGINE NEL VOLTO


O tu che guardi dalle finestre un bel ragazzo
e appari come vergine nel volto:
sei giá donna nel grembo.

Da poetisa grega Praxila, a partir da tradução para o italiano de Salvatore Quasimodo.


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

PRAXILA

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DEIXO A BELÍSSIMA LUZ DO SOL


Deixo a belíssima luz do sol
e as estrelas brilhantes e o semblante branco da lua,
e as melancias maduras e as maçãs e as peras.



LASCIO LA LUCE BELLISSIMA DEL SOLE


Lascio la luce bellissima del sole
e le stelle splendenti e il sembiante della luna,
e i cocomeri maturi e le mele e le pere.


Tradução a partir de versão italiana de Salvatore Quasimodo.

domingo, 2 de outubro de 2011

PALESTRA 1: POESIA E PINTURA


Apesar de constituírem linguagens distintas, em diversos momentos da história poesia e pintura andaram e andam de mãos dadas, tanto no oriente como no ocidente. Procedimentos como o claro-escuro, a colagem e o grafismo são utilizados frequentemente por poetas e pintores, desde Su Shi (1037 - 1101), o pintor literato, até o poeta desenhista belga Henri Michaux, ou o poeta chileno Óscar Hahn. Comentar a obra de alguns poetas-pintores, ou pintores-poetas, bem como os procedimentos comuns às duas artes, é o tema principal dessa palestra.

DURAÇÃO: 90 minutos, em média.
                   fone 41 33744110

Palestras

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Divulgo aqui três palestras que apresentei antes a um público específico e que agora ofereço ao público de um modo geral.

  1. Poesia e Pintura
  2. Pintura e Violência
  3. A Leitura como constituidora de Identidade

PALESTRA 2: PINTURA E VIOLÊNCIA, uma representação pictórica da violência


Do espanhol Goya ao gaúcho Iberê Camargo, o violência foi recorrentemente representada em quadros e desenhos. Analisar como essa representação se dá, quais os procedimentos técnicos empregados pelos artistas e qual o alcance estético de seu engajamento são os objetivos dessa palestra. Sem deixar de discutir a violência moral que subjaz à obra de alguns artistas brasileiros e estrangeiros.

DURAÇÃO: 90 minutos, em média
                   fone 41 33744110

PALESTRA 3: A LEITURA COMO CONSTITUIDORA DE IDENTIDADE


Ler é uma peça-chave para a constituição da identidade. Ler constitui identidade. Ou seja, é via linguagem que tomamos consciência da identidade em processo que somos. Só essa percepção já bastaria para nos incitar à leitura, mas há ainda um outro atrativo: o prazer com o qual experimentamos essa percepção, um prazer que nos dá liberdade e poder – não o poder decorrente da riqueza, nem a liberdade advinda da fama. Analisar como a leitura de textos literários constitui nossa identidade é o tema principal dessa palestra.

DURAÇÃO: 90 minutos, em média.
                   fone 41 33744110