Ayde, aí vão as imagens de minha nona que prometi, pelo menos algumas delas. A escultura e o desenho em azul de meio corpo (um cartão postal que enviei a meu pai) fiz em Monselice, Pádova, em 1987, os outros no ano seguinte, em Santa Felicidade. Tenho até hoje uma forma em isopor de minha nona Isa, que não cheguei a fundir. O último desenho é um estudo para esse painel de cimento que nunca concluí.
Lembro dos losangos de um vestido azul que ela usava e que tentei reproduzir. Lembro principalmente de suas mãos, de um certo jeito de pousar uma sobre a outra, os dedos em vírgula, descansando de ter cortado lenha, trabalhado na horta, alimentado as galinhas... Lembro e lembrando vejo... Nós dois sentados num tronco, entre as árvores, depenando passarinhos, as penas esvoaçando ao súbito vento, no ar fresco da manhã...
.A esculturinha não tem mais do que sete centímetros. Fiz durante uma exposição em Pádova. O dono da galeria me deu uma massa epoxi, chamada DAS, se não me engano, enquanto eu conversava com algum convidado. Peguei uma tampa de caneta bic e comecei a brincar, quase esquecido do que fazia. Ao final da conversa, o susto. Era minha avó, que havia morrido seis dias antes de minha viagem. Quem fez essa esculturinha, que nunca mostrei, foram as mãos de minha memória, auxiliadas por estas com que escrevo agora.
Anos depois, fui limpá-la do pó acumulado no ateliê. Não lembro com o que umideci o pano, se álcool, algum solvente ou água mesmo. Mas lembro que as linhas das comissuras da boca, da testa, do pescoço começaram a sumir. Fiquei desesperado, tentanto interromper o processo. O resultado é esse que você vê numa das fotos, uma série de microfios apareceu não sei de onde. E, ao contrário do que eu temia, a superfície do epoxi se assemelhou à pele de um velho. Novo susto. O de que o imprevisto é um remédio ao qual não deveria me negar nunca.
Quem sabe um dia eu ainda não funda o painel de cimento que hoje é apenas uma placa branca de isopor? Não tenho pressa. Seria como apressar o crescimento de um pé de araçá, ou o amadurecimento de um cacho de bananas. Bananas de estufa não cheiram bem sequer quando apodrecem.
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4 comentários:
Obrigada, Carlos, por esta delicadeza, em mais de um sentido. Está tudo muito expressivo, como eu já imaginava. E as mãos de "quem mói no áspro" são sempre especialmente expressivas. E esse relato é mais uma peça dessa bela série, que decerto não acaba por aqui. Um grande abraço.
Que lindo tudo isso! Parabéns!
Não pude ir na tua exposição... mas ainda quero visitar o ateliê. 2011 com certeza!
Abços
Ayde, abraço amigo e um 2011 alegre e fecundo. carlos
Lindsey, a exposição de ateliê me deu muitas alegrias. Vou repetir a dose em 2011. abraço. crls
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