sábado, 24 de outubro de 2009
Novos estudos para Mulher à Noite
Esses desenhos foram inspirados em um negativo. Sempre olhei com atenção minuciosa a inversão de cores de um negativo. O tamanho diminuto dos 35mm contribui para acentuar ainda mais a atmosfera mágica de alguns. A dificuldade de vê-los nos mínimos detalhes faz com que eu me concentre na atmosfera, na impressão visual que eles provocam.
Agora decidi pintar a partir deles. Antes, no entanto, preciso me apropriar dos elementos que compõem cada conjunto, por isso desenho, recorto, colo. Esse procedimento faz parte de uma estratégia de apropriação. Aos poucos, em formatos sempre pequenos, manipulo as imagens, até que algo se dê. Então, e só então, ataco a tela.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Desenho não utilizado no livro Brinca Ciência, que ilustrei. O corpo do menino estava tatuado demais, o moicano, piercing, blá blá blá.
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sábado, 17 de outubro de 2009
sábado, 10 de outubro de 2009
Fecundas e arcangélicas preguiças
O título dessa tela é um verso do sempre absolutamente necessário João Cruz e Souza, o poeta para quem toda substância merece quase sempre dupla adjetivação, o que torna esfumaçado o mundo sidéreo, já que a realidade, essa moedinha de esmola, lhe foi tão escassa e amarga.
Só para um brasileiro a preguiça é a um só tempo fecunda e arcangélica. Há anos remôo o hortelã desse verso. Há anos também Juca, o dálmata, se desmaterializou - ou se espiritualizou.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Legado
O miolo não se diz
não se pinta, não se dança, não se toca.
O miolo é intraduzível,
vãs as línguas, os tratados, as biografias.
O miolo do filho na escola.
O miolo da mulher, nos olhos.
O miolo do pão, do ser ou não.
O miolo que se sente dentro,
latente, ou sobre a cidade, azul.
O miolo é nosso legado,
inútil, de nuvens em combustão.
Par de asas no breu.
do livro O Gato sem Nome
não se pinta, não se dança, não se toca.
O miolo é intraduzível,
vãs as línguas, os tratados, as biografias.
O miolo do filho na escola.
O miolo da mulher, nos olhos.
O miolo do pão, do ser ou não.
O miolo que se sente dentro,
latente, ou sobre a cidade, azul.
O miolo é nosso legado,
inútil, de nuvens em combustão.
Par de asas no breu.
do livro O Gato sem Nome
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Observações de um Retratista
Várias vezes me surpreendo com a escrita do rosto. Às vezes com sua beleza limpa, com a economia de palavras; outras com a complexidade gráfica das letras, com o mapa minuciosamente traçado. Às vezes é o irregular da caligrafia que me atrai, as sucessivas camadas geológicas dos veios, linhas, grafismos. Várias vezes me pego olhando fixamente para um rosto anônimo no ônibus, surpreso com tanto texto não dizer nada à primeira vista. Seria preciso ler um a um, lentamente.
* * *
Um rosto não guarda menos tensão do que uma tourada, menos dramaticidade. Não é menos mutante do que uma nuvem; menos harmônico, misteriosamente harmônico, do que o mar. Não padece menos da euforia dos girassóis. Um rosto é o mundo - qualquer rosto.
* * *
Os olhos, no rosto, quem poderia dizer tudo que vai neles? Mesmo os olhos mais apáticos, dispensados de ver pelo cansaço, mesmo eles, assim desarmados, mostram um falso fundo. O que os olhos dizem, em silêncio, e para quem, é um enigma. Os olhos dizem, como canta um pintassilgo em pleno vôo, como giram as pás de um exaustor eólico. Dizer, permanentemente, é sua sina. Dizer dobrado, para que a ênfase não se perca, dizer siamês, para dentro e para fora.
* * *
O retrato na parede, do pai, ou o reflexo no espelho, do nosso rosto, são a pergunta de todo eu. A pergunta que todo rosto faz, mesmo quando a boca tagarela, com a cumplicidade muda dos olhos e com a teatralidade desenvolta das mãos. O rosto pergunta mesmo no caso da ignorância mais ingênua, mesmo que seu dono converse com o lugar-comum dos botões, ou conte suas moedinhas, avaro. O rosto pergunta por conta e risco próprios. Mas nunca responde. Talvez o riso seja a suspensão temporária da eterna pergunta; o choro, sua explicitação cheia de lamentos.
* * *
Não é preciso ser fotógrafo profissional para se fazer um bom retrato - há para o rosto um limite estreito de dissimulação. Basta abrir a janela mecânica da câmera para que a pergunta entre. Os fotógrafos mais experientes, no entanto, pressentem o momento certo, quando a pergunta de um rosto vai ser formulada com ênfase particular. E põem-se à espreita, as janelas da alma bem abertas.
Trilha sonora par esta leitura: A gentleman's honor (vocal), Philip Glass (The photographer)
* * *
Um rosto não guarda menos tensão do que uma tourada, menos dramaticidade. Não é menos mutante do que uma nuvem; menos harmônico, misteriosamente harmônico, do que o mar. Não padece menos da euforia dos girassóis. Um rosto é o mundo - qualquer rosto.
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Os olhos, no rosto, quem poderia dizer tudo que vai neles? Mesmo os olhos mais apáticos, dispensados de ver pelo cansaço, mesmo eles, assim desarmados, mostram um falso fundo. O que os olhos dizem, em silêncio, e para quem, é um enigma. Os olhos dizem, como canta um pintassilgo em pleno vôo, como giram as pás de um exaustor eólico. Dizer, permanentemente, é sua sina. Dizer dobrado, para que a ênfase não se perca, dizer siamês, para dentro e para fora.
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O retrato na parede, do pai, ou o reflexo no espelho, do nosso rosto, são a pergunta de todo eu. A pergunta que todo rosto faz, mesmo quando a boca tagarela, com a cumplicidade muda dos olhos e com a teatralidade desenvolta das mãos. O rosto pergunta mesmo no caso da ignorância mais ingênua, mesmo que seu dono converse com o lugar-comum dos botões, ou conte suas moedinhas, avaro. O rosto pergunta por conta e risco próprios. Mas nunca responde. Talvez o riso seja a suspensão temporária da eterna pergunta; o choro, sua explicitação cheia de lamentos.
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Não é preciso ser fotógrafo profissional para se fazer um bom retrato - há para o rosto um limite estreito de dissimulação. Basta abrir a janela mecânica da câmera para que a pergunta entre. Os fotógrafos mais experientes, no entanto, pressentem o momento certo, quando a pergunta de um rosto vai ser formulada com ênfase particular. E põem-se à espreita, as janelas da alma bem abertas.
Trilha sonora par esta leitura: A gentleman's honor (vocal), Philip Glass (The photographer)
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