terça-feira, 22 de maio de 2012

sobre AS REPRODUÇÕES


Prefere-se as reproduções, hoje, devido a sua enganadora nitidez, que os originais jamais tiveram, trate-se de uma pintura de van Gogh ou de uma gravura de Poty. A vivacidade de um original é feita de sujeira, de suor, de pó, de tinta vencida, de hesitações que a reprodução, por mais fiel que se pretenda, não capta.

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sobre OS SONHOS


Hoje, quando existe na internet um portal para compartilhar os sonhos, que depois de tipificá-los em categorias que vão do sonho bom ao sonho mau promete inclusive tentar satisfazê-los através de atitudes colaborativas, as possibilidades de que nossos sonhos sonhem são cada vez mais remotas. Há sempre alguém por perto tentando nos convencer de que seu sonho, ou o nosso, é um bom negócio e portanto merece que se invista nele. Isso vale há décadas para a indústria do cinema e da música, e mais recentemente para as várias modalidades de micro-empreendedores individuais; vale tanto para quem reduz cultura a entretenimento, como para quem pretende exercer sua indignação padronizada em relação aos modelos conservadores vigentes. Ou seja, se esfarele em diversão ou se condense em crítica, o sonho acaba virando sempre um negócio, um investimento. As rotas de fuga do sonho estão obstruídas e o sonho de revolta há muito provoca riso. Momentaneamente, sonhamos o básico e ao rés do chão.

sobre OS COLETIVOS em arte


Hoje, quando os coletivos, em arte, estão na moda, não se espere de sua produção nada que vá além do desejo da coletividade, por mais esclarecida que ela se considere. Os coletivos são associações engajadas em torno de ideias e princípios que de alguma forma respondem a aspirações sociais, não do risco estético, que eles ingenuamente desprezam e que provavelmente não sabem como avaliar. Raramente os membros de um coletivo engajam no que fazem sua individualidade mais radical - carência fatal em arte.

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sábado, 19 de maio de 2012

Pierre-Auguste Renoir






Com esse desenho de Renoir dou continuidade à série de retratos que fui compondo ao longo do tempo. Nela incluo pessoas por quem nutro grande admiração, mais ou menos conhecidas. A ideia é que esse conjunto um dia vire um livro, uma pequena exposição, quem sabe...

Mais e mais os retratos me permitem exercitar uma linha que de outra forma eu não saberia como exprimir. E a linha, uma única linha, guarda possibilidades incomensuráveis de investigação do humano. É uma pena que o desenho, especialmente o desenho de um rosto, tenha se tornado tão obsoleto no período que há décadas chamamos, sem constrangimento algum, de contemporaneidade - como se em outros tempos as pessoas não tivessem sido contemporâneas de si mesmas.

terça-feira, 15 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Admirável Ovo Novo, lançamento




Com o passar do tempo algumas pessoas ficam doces, algumas, não a maioria - a maioria, como acontece com o leite, azeda. Ficaram doces o poeta Mario Quintana, minha nona Iza, o geógrafo Milton Santos...  É surpreendente como a doçura ganha pouco a pouco algumas pessoas, até transbordar. Cada vez que vejo e ouço Paulo Venturelli sinto isso. E fico bobo de ver como o inspirado, o inconformado, o outrora intempestivo amigo foi se enchendo de doçura, sem que com isso ficasse comprometido um tico de sua inspiração, sem perder nada de seu inconformismo crítico, sem que seus arroubos barroco-diluvianos deixassem de nos inundar com um mar de vigor. Mesmo quando põe o dedo na ferida -  quantas vezes ouvi dele essa expressão! - o Venturelli de hoje não consegue disfarçar nos olhos o doce que lhe vai dentro. É desse híbrido que sua literatura se alimenta cada vez mais. Veja o título desse livro: Admirável Ovo Novo, vai nele três vezes a ênfase positiva que o autor sempre pôs em tudo o que escreve, e vai doçura dirigida à criança que nunca morreu em nós.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Eugenio Montale / 3


O SABIÁ


O sabiá canta no chão, não em árvore,
foi o que andou dizendo um poeta sem asas,
e decretou o fim de todo vegetal.
Há quem não cante nos ares nem por terra
e ignoro se é pássaro, homem ou outro animal.
Vivo ou morto, hoje está reduzido à borra
do zero. E já é demais pelo nada que vale.



IL SABIÀ


Il sabià canta a terra, non sugli alberi
così disse una volta un poeta senz’ali,
e anticipò la fine di ogni vegetale.
Esiste poi chi non canta né sopra né sotto
e ignoro se è uccello o uomo o altro animale.
Esiste, forse esiteva, oggi è ridotto
a nulla o quasi. È già troppo per quel che vale.

tradução de Carlos Dala Stella