sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Resenhando.com


.: Entrevista com Carlos Dala Stella, autor do livro “A Arte Muda da Fuga”


"A palavra e o desenho são a extensão de meu corpo.", 
Carlos Dala Stella

Por Helder Moraes Miranda, em novembro de 2018.


Carlos Dala Stella acaba de lançar pela editora Positivo o livro “A Arte Muda da Fuga”, com 108 poemas reunidos que foram manuscritos nos cadernos de ateliê de Dala Stella. 


Uma seleção criteriosa foi feita por Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela USP, a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens. As imagens do livro são pistas sobre o processo criativo do autor, que escreve e desenha cotidianamente em seus cadernos ilustrados há 39 anos.


Poeta, artista plástico e contista, ele nasceu em 1961, no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba. Formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, dedica-se ao desenho desde a década de 80, quando expôs na Itália. Publicou os livros “O Caçador de Vaga-lumes” (poemas, 1998), “Riachuelo, 266” (contos e crônicas, 2000), “Bicicletas de Montreal” (fotografia e outras artesvisuais,2002) e “Ogatosemnome” (poemas, 2007). 


Foi finalista do Prêmio Jabuti em 2012 na categoria Ilustração com o livro “Quer Jogar?” (livro ilustrado, 2011). Nas artes, o autor transita por murais de cimento e vidro, telas, retratos a lápis, nanquim e esculturas em papel, mas é nos cadernos de ateliê que cotidianamente escreve e desenha.


RESENHANDO - Para você, o que pode ser considerada a arte muda da fuga?

CARLOS DALA STELLA - Poesia como fuga do excesso de realidade, incluído esse "universo bíblico de telas" do mundo virtual. Mas fuga de fora para dentro, em direção a um certo recolhimento, onde a liberdade é maior. Mas também fuga no sentido musical do termo: gênero barroco do contraponto, onde duas ou mais vozes musicais correm lado a lado, fugindo e se entrelaçando umas nas outras. Em ambos os casos, a arte muda do diálogo, através da poesia. Já que o diálogo está tão difícil cá fora. 

RESENHANDO - Foram 108 poemas escolhidos a partir de aproximadamente duas mil páginas. Qual foi o critério de seleção?
C.D.S. - Quem fez a primeira seleção fui eu, de um conjunto maior, a definitiva, o conjunto do livro, foi Marta Morais da Costa. Ela poderia responder melhor. Mas o critério é o de sempre, os poemas que imaginamos ter mais qualidade. Os que se agrupam em temas mais estruturados, que imaginamos dialogar melhor com o presente, seja confirmando-o ou contradizendo-o. 

RESENHANDO - Como a imagem e o texto podem se completar?

C.D.S. - Gostaria de ouvir a resposta do leitor. A intenção foi, inicialmente, recuperar o contexto gráfico de onde os poemas foram retirados. Porque na verdade eles fazem parte de um fluxo de imaginação maior. Depois descobrir vínculos entre um determinado recorte, por exemplo e o poema que vem logo a seguir. Esses links foram feitos pela editora Cristiane Mateus. Os recortes com estilete são uma modalidade de desenho que pratico com frequência. Imaginamos que eles se dão numa frequência de sutileza assemelhada a de muitos poemas do livro. 

RESENHANDO - A natureza é algo muito presente na sua obra. Qual é o motivo disso?
C.D.S. - Cresci entre o mato de Santa Felicidade e o concreto da urbe. Tenho uma intimidade muito grande com essa natureza primitiva, ainda que não mais selvagem. Gosto de árvores e bichos, gosto que se acentuou com a infância de meus filhos e agora netos. Também a natureza é uma espécie de fuga, como bem sabiam os poetas-pintores chineses. Mas não há nada de bucólico no que escrevo. Escrevo olhando para frente, não para trás. Além do que, meu jardim é um pequeno bosque. 

RESENHANDO - Você considera que se autobiografa em sua obra? Por quê?

C.D.S. - Sempre há autobiografia no que escrevemos, mais ou menos ficcionalizada. Afinal temos que partir de alguma coisa, nossa história ou nossa percepção da história. No livro, há uma série de poemas explicitamente autobiográficos, dedicados a pessoas que admiro. Mas também há poemas de reflexão, veio poético menos lírico ao qual me dedico bastante.

RESENHANDO - Você é um artista plástico consagrado, e também é poeta e cronista. Em que o artista plástico, o poeta e o cronista contribuem para formar o ser humano?
C.D.S. - Não sei como responder a essa pergunta. Eu padeço essa junção. Mas ela não se dá assim simultaneamente. Quando escrevia para jornal escrevia menos poesia, pintava menos. Quando pinto ou desenho bastante, escrevo menos. Embora cada vez mais consiga me dedicar a projetos cruzados, em várias áreas. O que junta tudo é um enigma que eu não gostaria de ver decifrado. 

RESENHANDO - O que representam a literatura e as artes plásticas na sua vida?

C.D.S. - Mais do que representar alguma coisa, elas são a vida. A palavra e o desenho são a extensão de meu corpo. Nunca escrevi ou pintei pensando no mercado, a não ser quando tenho que responder a uma demanda. Mas mesmo as encomendas, é possível atendê-las sem interromper o desdobramento de projetos mais íntimos. O que posso dizer é quase uma obviedade: a escrita me dá uma consciência maior do mundo, enquanto a pintura e mesmo o desenho me obrigam a usar mais o corpo, consequentemente a enfrentar esse caos de percepções intuitivas. 

RESENHANDO - Qual é o seu maior medo e por quê?
C.D.S. - De que as pessoas que amo sofram. Porque o sofrimento delas me afeta mais do que o meu. 

RESENHANDO - No poema que dá título ao seu livro, você afirma: "o silêncio sempre foi meu maior interlocutor". Explique.

C.D.S. - Não explico nem a pau.

RESENHANDO - Há alguma explicação para as obras do livro serem em preto e branco?

C.D.S. - Originalmente a maioria dos recortes não tem cor. E a poesia é sempre em preto e branco. O resultado fica mais harmônico. Além disso o preto e branco ressalta minha arquitetura de papel.

*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.

terça-feira, 27 de novembro de 2018


APRENDIZADO

tão longo o aprendizado
pra chegar no mesmo lugar
onde nossos antepassados chegaram
pra cair exatamente
no mesmíssimo buraco
e no entanto nossos amores
proibidos e absolutos foram todos
intimamente particulares


tão vário o aprendizado
tão moderno e diverso daquele
de nossos queridos pais
e no entanto o deserto florido
a que chegamos é o mesmo
deserto de nossos ancestrais
a mesma areia entre os dedos
os mesmos cegos girassóis

de uma alegria tão doce
e genuína, e tão imprevista
que nem chega a ser aprendizado
é vida que sucede à vida
e no entanto acabamos
desaguando no mesmo rio
de peixes imemoriais
que vai dar no sal do mar

tanto ímpeto desse corpo
tanto esforço renovado
e tanto gozo na lida amorosa
com o corpo cheio de paraísos
e armadilhas do outro
e no entanto não aprendemos
nada de novo senão reavivar
o espírito rubro do fogo

Carlos Dala Stella, 
do livro A ARTE MUDA DA FUGA


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BREVES REFLEXÕES SOBRE MINHA POESIA


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1

Há em A Arte Muda da Fuga um pathos às vezes
melancólico e cru cuja exposição não gostaria que fosse
exacerbada para além do tom francamente íntimo dos
poemas. Mesmo nos casos em que aparentemente busco a
polêmica, mais regurgito minha parte no diálogo, como
quem responde uma deixa, do que me ponho em posição
de ataque. Para além desse pathos, o que me interessa
mais é a polifonia de percepções e materialidades verbais
de que é feito cada poema. Quando à melancolia, ela é um
dos vórtices de que sou feito, não há porque negá-la.


2

A poesia é sempre um arranjo de redução – de um fato, de
um sentimento ou mesmo de uma ideia – mais ou menos
evidente, mais ou menos misterioso, para um corpo verbal
conciso de reverberação abstrata. Esses arranjos se dão
sob pressão, não exatamente das circunstâncias fatuais,
mas de uma certa atmosfera que se cria, especialmente
durante a escrita, e mesmo antes, inseparável já das
palavras que a vão fundindo ou desvelando. Nos melhores
casos essa pressão estrutura o corpo :nal e torna latente
no sentido do poema.


3

Não escrevo tomado por um sentimento; escrevo tomado
pela ideia de um sentimento. Mesmo quando as coisas
confluem, tenho sempre um pressentimento abstrato do
corpo verbal, em direção ao qual procuro trabalhar, até que
ele vá se estruturando, com essa miríade de pequenos
mecanismos internos, sem os quais o poema não vem à
vida, e de onde provém boa parte do sentido.


4

A ideia de que alguns poemas são escritos de dentro para
fora, de que a arquitetura interna antecede, ou mesmo
torna dispensável, a construção externa, porque assume
para si, como uma vocação telúrica, a inteira função
estrutural do edifício semântico-verbal, essa ideia vale para
grupos inteiros de meus poemas, e mesmo para alguns
poucos poetas cuja vocação irrompe em meio a um
contexto fortemente restritivo.


5

O poeta é um intuicionado. Mesmo o pensamento nele vem
em forma de intuição, o que significa dizer que ele está
sempre lidando com o que não sabe, o que não vê, o que
não alcança. Disso decorre sua precariedade, mas também
a força de seu destino.


6

Por mais reflexiva que seja, a poesia é sempre um convite à
cointuição, a esse indeterminado que nos escapa, mas que
se dá ao pressentimento da razão em todos os instantes da
vida, e que não pode ser senão perfeito e acabado.


7

Um poema não é uma linha reta entre o que o poeta sente,
ou pensa, e a expressão desse sentimento ou dessa ideia. É
no percurso da escrita que o sentimento de mundo se dá,
num espelhamento interno e externo sem o qual a vida
resultaria num simples artefato de palavra, desprovido da
animação que lhe é tão cara. Um poema é um pequeno
percurso de linguagem onde a vida, misteriosa e
engenhosamente, se dá. A linha reta, em poesia, é sempre
curva.


8

Não exatamente a palavra usada, nem a ideia por ela
expressa, mas a ênfase com que ela é usada é que anima o
tema e vivifica a ideia. Sem essa ênfase, que só pode
decorrer da identidade particular de quem escreve, não há
palavra exata nem ideia pertinente ou mesmo sublime que
salve um poema da palidez emocional e da opacidade
intelectual. E a ênfase não se manifesta só, obviamente,
nas metáforas e antíteses, nem mesmo apenas nos
substantivos fundantes, francamente expressos, nem nos
adjetivos vocacionados, mas também, e particularmente,
no subtexto de assonâncias, aliterações reversas e
espelhadas, nos silêncios súbitos ou premonitórios que
costuram os versos e as estrofes. São esses pequenos
recursos que vivificam a vida de alguns poemas, fazendo-os
respirar como seres vivos.


9

Os poemas de A Arte Muda da Fuga nasceram de um
vórtice de pressão comum, apesar da diversidade de temas
que eles tocam. Pressão externa, naturalmente, do
contexto ao qual estou subjugado, mas também, e não
menos intensamente, do contexto semântico interno de
cada poema, instaurado desde o primeiro verso e que de
alguma forma precisava cobrir com urgência o
pressentimento de um corpo de sombra. Eles descendem
praticamente todos desse mesmo vórtice de pressão e
urgência.


segunda-feira, 26 de novembro de 2018


‘A arte muda da fuga’ une poemas, recorte e colagem

Livro traz poemas de Carlos Dala Stella e é ilustrado por recortes, colagens e desenho em nanquim feitos pelo artista

| DIVULGAÇÃ0
O artista escreve e desenha, cotidianamente, em seus cadernos de ateliê “A ARTE MUDA DA FUGA” CARLOS DALA STELLA EDITORA POSITIVO, R$ 43,90

O poeta e artista plástico curitibano Carlos Dala Stella lançou no último sábado o livro “A arte muda da fuga”. A obra contém mais de 100 poemas que foram organizados por Marta Morais da Costa, crítica literária, escritora e professora.

Diversas imagens fazem parte do livro, como fotografias de recortes e colagens feitos pelo autor, além de uma ilustração em nanquim que Dala Stella criou especialmente para a publicação.

Segundo o autor, as imagens oferecem ao leitor diferentes perspectivas sobre o ateliê. “Enquanto as fotografias dos recortes são um olhar microscópico do local, o desenho dá uma visão mais distanciada”, disse Dala Stella ao Metro Jornal.

Ele realizou uma pré-seleção de poemas escritos entre 2014 e 2015 em seus diários de ateliê. Então, a organizadora fez uma nova seleção, agrupando os textos em blocos temáticos que tratam sobre assuntos como o silêncio, o vazio, o tempo e ato de fazer poesia.

Os blocos não receberam títulos, mas cada um é aberto por uma imagem diferente que se relaciona com o tema que inspirou os poemas.

O livro todo foi produzido em preto e branco. A escolha, de acordo com o autor, deu-se por “razão orgânica”. “O preto e branco dialoga em um nível delicado com as imagens do livro”, afirma.

No posfácio, Marta Morais da Costa faz uma análise sobre os poemas e conta sobre a visita que fez ao ateliê do artista.

O autor
Carlos Dala Stella se dedica ao desenho desde a década de 1980. Dentre seus livros publicados, estão contos, crônicas e poemas.

Foi finalista do Prêmio Jabuti em 2012 na categoria Ilustração com o livro ilustrado “Quer Jogar?”.
“o silêncio sempre foi / meu maior interlocutor / qualquer coisa que eu diga / um monossílabo que engula / ele ouve e sopesa”

TRECHO DE POEMA DO LIVRO

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A Arte Muda da Fuga, página de guarda e orelha

Página de guarde e segunda orelha. São umas 120 páginas de poemas, mais fotos de recortes de meus Diários de Ateliê, intercalando os blocos temáticos, além de um posfácio da Marta Morais da Costa. As fotos do livro são de Pith Raid e minhas. 


VAZIOS

o vazio está cheio
de possibilidades e não transborda

a clareira no meio do mato
o pátio na arquitetura
o silêncio no teatro
o côncavo da caverna
o oco do quarto
o domo da Stª Maria del Fiore

quanto vazio para dizer
sem palavras
a plenitude de deus
o maior de todos os vazios

dala stella

A ARTE MUDA DA FUGA / Este retrato e as fotos do livro são de Pith Haid. VAZIOS é o poema que abre o livro.
A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas sentadas e área interna

UM LAMBARI, PRONTO PRA ATRAVESSAR O MAR

A imagem pode conter: listras

Embora seja um livro de poemas, A ARTE MUDA DA FUGA, pela Editora Positivo, conta com uma dúzia de imagens de meus recortes. A ideia foi da editora Cristiane Mateus, que não queria perder o link entre os diários de ateliê, onde fiz os recortes originais, e os poemas, com os quais as imagens naturalmente dialogam. O resultado é um livro híbrido, de uma harmonia visual muito sutil.

O fotógrafo dos recortes foi Pith Haid, que esteve no ateliê duas vezes e capturou essa luz leitosa e matizada que entra pelas grandes janelas verticais e que me agrada tanto.

Também se somou ao projeto Marta Morais da Costa, fazendo a seleção dos poemas, agrupando-os tematicamente e escrevendo um posfácio onde conta como surgiu o livro e como podem ser lidos os poemas.

A essas pessoas se somaram outras, como Raquel Matsushita, no projeto gráfico e capa, e Fabíola Castellar, na edição de arte, entre outros. A todos agradeço imensamente. O livro é resultado desse coletivo, dessa competência mútua, orquestrada por Cristiane Mateus. Foram eles que vestiram meus poemas pra festa.

A Arte Muda da Fuga, poesia

Editora Positivo lança “A arte muda da fuga”, de Carlos Dala Stella, no próximo sábado, em Curitiba. Autor e organizadora Marta Morais da Costa fazem tarde de autógrafos na livraria Arte & Letra
A Editora Positivo lança, no próximo sábado, dia 10, um livro inédito do poeta e artista plástico curitibano Carlos Dala Stella: “A arte muda da fuga”. O lançamento acontece na livraria Arte & Letra, em Curitiba, a partir das 11h.
Os poemas reunidos na obra foram manuscritos nos cadernos de ateliê de Dala Stella. Uma seleção criteriosa foi feita por Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela USP, a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens. As imagens do livro são pistas sobre o processo criativo do autor, que escreve e desenha cotidianamente em seus cadernos ilustrados há 39 anos.
No posfácio da obra, Marta explica que a maior dificuldade foi conter a riqueza da obra do poeta em apenas um livro. “Como selecionar, entre a riqueza de obras artísticas do Louvre, apenas uma? Como selecionar, entre as aves do Pantanal, apenas uma? Como, diante do Universo, afirmar a existência de apenas um planeta habitado? A tarefa de fazer nascer A arte muda da fuga pertencia a difíceis – e impossíveis – seleções”, descreve a organizadora.
A saída, segundo ela, foi solicitar ao poeta a escolha da produção recente que, segundo ele, representasse melhor sua poesia do presente. “Eram dezenas e dezenas de textos, com temas, motivos e extensão variados, a pedir tinta, impressão, luz do dia. Em sua autonomia e feliz liberdade, proclamavam, no entanto, elementos comuns, parentescos, liames e conjuntos”, conta Marta. “Em busca dos fios a se entrelaçar, a se combinar e enovelar, fui pouco a pouco descobrindo meadas comuns, matizes de cores predominantes, possíveis agrupamentos. Nasceram assim as categorias de amarração dos poemas pré-selecionados pelo autor e novamente selecionados por mim. O volume ganhou sua primeira forma, que a editora aperfeiçoou e enriqueceu, imprimindo-lhe ritmo e visualidade”, afirma.
De acordo com a editora de literatura da Positivo, Cristiane Mateus, responsável pela edição do livro, a obra é publicada com uma tiragem inicial de três mil exemplares e outra, ainda sem quantidade definida, já está prevista para 2019. “A edição do livro durou pouco mais de um ano e começou com uma visita ao ateliê do autor. A ideia agora é fazer circular de verdade a escrita desse artista singular e de múltiplas habilidades, já que seus dois primeiros livros de poemas tiveram uma tiragem bastante restrita – o que é muito comum quando falamos em livros de poemas no Brasil”, afirma.


As imagens
Nos vazados e nas aberturas das imagens, o artista revela uma multiplicação de planos: camadas sucessivas em que continente e conteúdo se alternam e se contrapõem. “É uma poesia em que a imagem, aparentemente plana, aos poucos se abre em recortes e vazados por onde o leitor (também um espectador) é atraído para camadas profundas das palavras, dos ritmos e da poderosa visualidade que sedimenta sua obra”, revela a organizadora. Os desenhos a nanquim do ateliê, que aparecem na abertura e no encerramento, também são de autoria de Dala Stella e foram feitos especialmente para este livro.
A natureza
A presença da natureza, representada na obra por uma pluralidade de elementos simples – aves, árvores, chuva, sol, estrelas, grão de areia –, poderia beirar o bucólico, caso não fosse ampliada em dimensões cósmicas ou em estados de alma. O poeta constata com espanto as manifestações da natureza: voejam pararus, urubus, sabiás, pintassilgos; a lesma se arrasta sobre o mármore, a libélula esplende em vitral e a aranha tece, como o tempo. “São pequenos animais a significar enigmas da vida e da arte”, define Marta.
A subjetividade e o silêncio
A poesia de Dala Stella produzida neste estágio de sua obra artística incorpora uma visão madura aos questionamentos sobre a subjetividade, uma das linhas mestras temáticas de sua escrita. Há uma aceitação tranquila da singularidade entre os mortais e uma inquirição constante da individualidade em face do universo.
Segundo Marta, essa busca dos sentidos do mundo e do tempo, esse indagar os vazios e os silêncios como repositórios de respostas e de beleza acabam por conferir à poesia de Carlos Dala Stella a marca indelével de uma poética de inquirição, de comunhão estelar, de denúncia dos desacertos do homem em sociedade, de incompletudes pessoais e sociais. “Constrói, à semelhança de Bach, uma arte como fuga, isto é, uma composição polifônica no contraponto de conjuntos temáticos”, define a organizadora.
O silêncio, presente em diversos versos do poeta, é também o título da poesia que encerra a obra. Para Dala Stella, “A arte muda da fuga” chama a atenção pela polifonia de percepções e materialidades verbais de que é feito cada poema. “Um poema não é uma linha reta entre o que o poeta sente, ou pensa, e a expressão desse sentimento ou dessa ideia. É no percurso da escrita que o sentimento de mundo se dá, num espelhamento interno e externo sem o qual a vida resultaria num simples artefato de palavra, desprovido da animação que lhe é tão cara. Um poema é um pequeno percurso de linguagem onde a vida, misteriosa e engenhosamente, se dá. A linha reta, em poesia, é sempre curva”, diz o poeta.

a arte muda da fuga

o silêncio sempre foi
meu maior interlocutor
qualquer coisa que eu diga
um monossílabo que engula
ele ouve e sopesa
por mais que eu grite
para dentro e sufoque
um substantivo, ele me acolhe 
côncavo e atento
mesmo que eu sopre pérolas 
inaudíveis, ele recupera a concha 
nunca o silêncio me foi 
indiferente, cada vez mais 
interfiro na trama
de seus fios transparentes
quem sabe dessa parceria
um dia não surja
a arte muda da fuga

silêncio

o bom de pensar 
é que depois 
vem o silêncio

não o silêncio 
absoluto da morte

mas esse silêncio 
– relativo –
cheio de vida
que de repente 
faz todo sentido

Notícias Central Press / 08.11.2018
Serviço
Lançamento do livro “A arte muda da fuga”, de Carlos Dala Stella
Data: 10 de novembro de 2018, às 11h
Local: Livraria Arte & Letra (Alameda Dom Pedro II, 44 – Batel, Curitiba/PR).