quarta-feira, 31 de março de 2010

FOTOGRAFIA E PINTURA




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O conjunto nasceu quando Carlos Dala Stella achou em uma fotografia minha um ponto de partida para uma tela, onde a figura é a própria foto. Ele trabalhou a partir da foto a seu modo, e assim fez com mais algumas. Mas no fim das contas, fotografias e telas juntas não indicam esse caminho claramente, embora sugiram algo em comum entre ambas.
Curiosamente minhas fotos parecem tomar os recursos das pinturas, recursos mais comuns nas artes plásticas. Elas não somente deformam o objeto, indo além do real, mas lembram a textura da tinta. São fotos de silhuetas, sombras, junto a cores exacerbadas e borradas. Elas foram tiradas em momentos muito diferentes, e só depois que foram dando origem às telas percebi a semelhança entre elas.
Vi então que o que eu vinha fazendo, tirando fotos, muitas vezes, era brincar de extrair do que eu via uma outra cor, outra forma, coisa que a tela continua fazendo. O resultado disso tudo são trabalhos de natureza distinta, mas de uma intimidade una.

Matias Cherem Dala Stella


Apartir dessa sexta-feira, 02 de abril, pode ser vista, no BETO BATATA do Alto da XV, a exposição FOTOGRAFIA E PINTURA, com fotos de Matias Cherem Dala Stella e telas de Carlos Dala Stella. Cada uma das telas foi inspirada numa fotografia. Ainda este ano o conjunto será exposto da Galeria Arte Aplicada, de São Paulo.

sábado, 27 de março de 2010

Caderno de Ateliê

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Essas mulheres, o que dizer sobre elas - sempre envoltas em mistérios? Lembro de um amigo que pôs como título de um de seus livros: as mulheres são todas. E indecifráveis, por mais que nos aproximemos. E decoremos com flores um a um os seus cômodos, e toquemos seus lustres, e giremos a roda gigante de suas vaidades. E ouçamos atentamente o canto de seus olhos. Um mistério às vezes doce. Que incendeia o ar que respiramos.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Feyerabend

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Qualquer um que abra um jornal e prefira uma coluna fixa aos noticiários políticos, econômicos, esportivos ou policiais, concordará que “uma coluna é essencialmente um minestrone”.


Quem faz essa afirmação é Paul K. Feyerabend, filósofo austríaco, ex-soldado do exército alemão, ferido na segunda guerra, em sua autobiografia Matando o tempo, concluída no último mês de sua vida, fevereiro de 1994. Ele compreendeu perfeitamente as vantagens de combinar retórica e argumento: “Nada de argumentação longa e exaustiva, mas observações impertinentes cercadas de pensamento, ou pensamento temperado com audácia e imagens”.


Não é preciso ser filósofo para chegar a essa conclusão. Basta ser leitor assíduo da imprensa nacional ou internacional. Ou ter escrito meia dúzia de artigos sobre qualquer assunto de alguma relevância cultural. Mas o surpreendente neste caso é que justamente um filósofo tenha compreendido de forma tão cristalina as particularidades de um tipo de texto em tudo avesso às regras acadêmicas.


Isso provavelmente só foi possível porque à medida que deixa de escrever exclusivamente para seus pares, Feyerabend abandona o jargão da classe a qual pertence. E passa a buscar um estilo luminoso e simples, que aliasse razão e emoção, como ele mesmo diz a Grazia, sua mulher.


Seja por desfeita ao olímpico mundo acadêmico, seja em nome de uma audiência maior, não há como negar que o filósofo caminhou em direção a um uso mais pessoal, e também mais provocador, da linguagem, embora aparentemente menos rigoroso e eficiente.


Alguém que ao rememorar a própria vida brinca dizendo estar apenas matando o tempo (conforme a variante Feierabend, palavra comum em alemão, significa literalmente), deve ter passado por uma revisão geral de valores. E a linguagem certamente deve ter desempenhado um papel fundamental nessa mudança.



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E aqui seria bom fazer menção a uma das fotos que ilustram o livro, a preferida de Feyerabend: aquela em que o eminente homem do pensamento aparece de avental, lavando louça junto a uma pia abarrotada. A legenda, certamente sugerida por ele mesmo, diz: “O ‘filósofo’ trabalhando!”


Se por um lado o gesto cotidiano de lavar louça é elevado, por obra e graça da ironia, à categoria de atividade filosófica, por outro a ‘narrativa’ da própria existência é reduzida a um passatempo. Mesmo que se trate aqui do terreno espelhado da ironia, fica evidente que a essa subversão de valores corresponde uma mudança no uso da linguagem.


Não só ele manda às favas a farsa dos títulos acadêmicos, os prêmios e toda a hierarquia universitária, como também o jargão do discurso científico, com sua onipotente necessidade de explicação sistemática e seu pseudo-rigor lógico. E ridiculariza a si mesmo por ter acreditado durante tanto tempo nesses valores e por ter usado a linguagem a eles correspondente mesmo em seu livro mais ambicioso, Contra o método.


Em sua autobiografia, ao contrário, ele prefere ser compreendido pelo público em geral a ser tido por um pensador profundo, afirmando, algumas linhas antes do final: “escrever de maneira simples, de modo que as pessoas sem preparo específico possam entender não significa ser superficial”.


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Ainda criança, enquanto construía castelos de areia na praça, Feyerabend pergunta a sua mãe, impressionado com os homens nervosos que via correndo atrás dos bondes lotados:


- O que estas pessoas estão fazendo?


- Estão indo trabalhar, diz a mãe.


Na mesma praça um senhor passava as tardes sentado num banco desfrutando o sol.


- Por que ele está aqui? pergunta o menino.


- Ele está aposentado, responde a mãe.


A partir daquela ocasião, sempre que perguntam o que quer fazer quando crescer, responde:


- Quero me aposentar.



Texto publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, sob o título Minestrone.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Bicicletinha

(80 x 100 cm, óleo sobre tela, R$ 4.800,00)


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Essa tela, atualmente na galeria Arte Aplicada, foi a única que fiz a partir do conjunto de desenhos, gravuras e fotos do livro Bicicletas de Montreal. Embora ela esteja à venda, tenho vontade de retomar algumas áreas, repintando-a.
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Vale repetir: as bicicletas do livro não passam de pretexto para o exercíco do desenho, do grafismo. O que não significa que eu seja cego à beleza gráfica de canos, cabos e raios. No final das contas, a superfície do mundo não passa de um pretexto para que sonhemos.
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quinta-feira, 11 de março de 2010

Variações Negras




Esse conjunto de 50 telas, trabalhei nele durante 4 anos. Duas foram as inspirações indiretas: Oswald Goeldi e Variações Goldberg, de J.S.Bach. Na ocasião, visitei o Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e a Biblioteca Nacional, que possui em seu acervo de iconografia um conjunto maravilhoso de gravuras e tacos de Goeldi. Parte das telas foi exposta e vendida em Montreal, parte por aqui mesmo. Metade do conjunto continua comigo. Ainda não desisti do sonho de fazer um livro delas, além de expô-las. Elas externam minha crença, e minha alegria, nesse exercício que acabou sendo chamado durante os tempos de variações. Foi isso que fiz aqui, como fiz depois com o conjunto de grafismos de bicicletas. E mais recentemente com o conjunto sobre jogos e brincadeiras - no livro Quer Jogar?

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3 x o Pintor



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quinta-feira, 4 de março de 2010

Sobre relógios e nuvens

Relógios são nuvens, basta deslocar nosso olhar da régua mediana que estabelece os significados convencionais da vida em sociedade.

Muito de perto, desmontados ou não, relógios podem se transformar em volumes esculturais, ricos da imprecisão que atribuímos às nuvens. Muito de longe, eles se reduzem a uma roda, um círculo, um ponto, e portanto podem fazer parte de um novo discurso, igualmente impreciso.

Hélio Leites, quase sempre, vê abaixo da escala mediana, microscopicamente. Vik Muniz, em várias de suas séries, vê o macro, acima da medianidade. Esse deslocamento alarga o horizonte humano, antes de mais nada por puro prazer. Deslocar, pôr em movimento, produz também significado.

Nuvens, sob um olhar deslocado, podem guardar a precisão dos relógios. Físicos buscam essa precisão, ainda que momentânea, embora ainda não a tenham encontrado. Artistas vivem desse deslocamento, ora em direção ao micro, ora ao macro. Não nos contentamos nunca com o lugar comum. Respiramos fluidez.

Ao recortar uma nuvem no papel, ela se geometriza inesperadamente. Foi o que fiz no livro O gato sem nome, no poema gráfico Duas almas se encontram numa nuvem.

É sempre numa nuvem que duas almas se encontram. Nunca na precisão. Mesmo nos momentos mais pragmáticos dos encontros, se é possível dizer assim, o que se dá nasce de uma vagueza e de um esgarçamento só comparáveis às nuvens, vistas desse nosso olhar quase sempre medianamente humano. Quanto aos desencontros, eles se dão num céu carregado de nuvens.

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terça-feira, 2 de março de 2010

De relógios e nuvens são feitos os desenhos


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Do caderno de ateliê 38. Fiz esses trabalhos numa urgência danada. Urgência de quê? Não sei, mas eles saíram sob pressão. Como se deles dependesse minha sobrevivência. Mas não vai nisso dramatismo algum. Apenas que trabalhei premido por uma necessidade muito forte e sem sentido. Quando fiz a mulher, sequer imaginava que algumas páginas a frente viria o homem. Naturalmente eles poderiam formar um casal, de frente um para o outro. Ou de costas. No entanto, olhando-os, o que vejo são recortes, linhas, cores - momentâneos adereços de minha urgência.
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