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Qualquer um que abra um jornal e prefira uma coluna fixa aos noticiários políticos, econômicos, esportivos ou policiais, concordará que “uma coluna é essencialmente um minestrone”.
Quem faz essa afirmação é Paul K. Feyerabend, filósofo austríaco, ex-soldado do exército alemão, ferido na segunda guerra, em sua autobiografia Matando o tempo, concluída no último mês de sua vida, fevereiro de 1994. Ele compreendeu perfeitamente as vantagens de combinar retórica e argumento: “Nada de argumentação longa e exaustiva, mas observações impertinentes cercadas de pensamento, ou pensamento temperado com audácia e imagens”.
Não é preciso ser filósofo para chegar a essa conclusão. Basta ser leitor assíduo da imprensa nacional ou internacional. Ou ter escrito meia dúzia de artigos sobre qualquer assunto de alguma relevância cultural. Mas o surpreendente neste caso é que justamente um filósofo tenha compreendido de forma tão cristalina as particularidades de um tipo de texto em tudo avesso às regras acadêmicas.
Isso provavelmente só foi possível porque à medida que deixa de escrever exclusivamente para seus pares, Feyerabend abandona o jargão da classe a qual pertence. E passa a buscar um estilo luminoso e simples, que aliasse razão e emoção, como ele mesmo diz a Grazia, sua mulher.
Seja por desfeita ao olímpico mundo acadêmico, seja em nome de uma audiência maior, não há como negar que o filósofo caminhou em direção a um uso mais pessoal, e também mais provocador, da linguagem, embora aparentemente menos rigoroso e eficiente.
Alguém que ao rememorar a própria vida brinca dizendo estar apenas matando o tempo (conforme a variante Feierabend, palavra comum em alemão, significa literalmente), deve ter passado por uma revisão geral de valores. E a linguagem certamente deve ter desempenhado um papel fundamental nessa mudança.
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E aqui seria bom fazer menção a uma das fotos que ilustram o livro, a preferida de Feyerabend: aquela em que o eminente homem do pensamento aparece de avental, lavando louça junto a uma pia abarrotada. A legenda, certamente sugerida por ele mesmo, diz: “O ‘filósofo’ trabalhando!”
Se por um lado o gesto cotidiano de lavar louça é elevado, por obra e graça da ironia, à categoria de atividade filosófica, por outro a ‘narrativa’ da própria existência é reduzida a um passatempo. Mesmo que se trate aqui do terreno espelhado da ironia, fica evidente que a essa subversão de valores corresponde uma mudança no uso da linguagem.
Não só ele manda às favas a farsa dos títulos acadêmicos, os prêmios e toda a hierarquia universitária, como também o jargão do discurso científico, com sua onipotente necessidade de explicação sistemática e seu pseudo-rigor lógico. E ridiculariza a si mesmo por ter acreditado durante tanto tempo nesses valores e por ter usado a linguagem a eles correspondente mesmo em seu livro mais ambicioso, Contra o método.
Em sua autobiografia, ao contrário, ele prefere ser compreendido pelo público em geral a ser tido por um pensador profundo, afirmando, algumas linhas antes do final: “escrever de maneira simples, de modo que as pessoas sem preparo específico possam entender não significa ser superficial”.
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Ainda criança, enquanto construía castelos de areia na praça, Feyerabend pergunta a sua mãe, impressionado com os homens nervosos que via correndo atrás dos bondes lotados:
- O que estas pessoas estão fazendo?
- Estão indo trabalhar, diz a mãe.
Na mesma praça um senhor passava as tardes sentado num banco desfrutando o sol.
- Por que ele está aqui? pergunta o menino.
- Ele está aposentado, responde a mãe.
A partir daquela ocasião, sempre que perguntam o que quer fazer quando crescer, responde:
- Quero me aposentar.
2 comentários:
:)
Adorei o texto.
me fez sorrir nesse sábado lento.
O ar está meio pesado mesmo. Mas nada que um copo de vinho não dilua.
Feyerabend é muito engraçado, pena que eu não entenda alemão. Tem uma entrevista dele no you tube que intuo seja muito boa pra esse sábado.
beijo
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