sábado, 24 de outubro de 2015
para ROBERT AMORIM
ASAS DA INGENUIDADE
aos poucos vou reconectando cabos
refazendo os frisos
substituindo algumas placas de cristal
o amarelo no lugar do cinza
com muito cuidado redesenho as bordas
reviso as articulações
tudo para que o vitral
de minha ingenuidade volte a se abrir
alado, sobre o vale do medo
e me leve em sobrevoo
para as campinas das papoulas
e volte a planar
sobre o deserto dos girassóis
e eu possa mais uma vez
respirar as correntes ascendentes de ar
carlos dala stella
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
INSOLAÇÃO
O Brasil é um país assassino de sóis. Todos os dias nossa exuberância de sóis é diminuída. Por aqui sóis morrem de bala perdida no primeiro alvorecer, tombam na calçada de casa sem saber por quê; são esfaqueados de bicicleta no parque, na praça, são fuzilados nas escadarias da catedral. Todas as noites dezenas de sóis se apagam na escuridão iluminada das cidades, por atropelamento, por descuido, por prevenção. Melhor afogar os sóis negros antes da futura perversão, antes que eles contaminem o sistema solar. Todas as manhãs, neste país tropical, dezenas de sóis não amanhecem, para tristeza da estrela d'alva, nem nunca amanhecerão senão na memória anônima de um cometa perdido. No Brasil, as estrelas de primeira grandeza convivem pacificamente com as chacinas sistemáticas de sóis. Somos o país da alegria de viver, o país do carnaval, da cordialidade. Podemos desperdiçar sóis sem prejuízo de nossa abundância de luz. Um sol é menos que um centavo, não vale nada. Dois sóis menos ainda. Três, então, apagados de uma única vez, acenderão ainda mais os sóis de plantão. O Brasil investe todos os dias no genocídio de seus sóis, depois vai trabalhar, mais rico de luz, ou vai à praia pra relaxar e ganhar uma cor, com a consciência tranquila, afinal o excesso de sol faz mal a todos e, no limite, mata. Somos o país do futuro e do presente ensolarado.
carlos dala stella
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