terça-feira, 27 de novembro de 2018

BREVES REFLEXÕES SOBRE MINHA POESIA


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1

Há em A Arte Muda da Fuga um pathos às vezes
melancólico e cru cuja exposição não gostaria que fosse
exacerbada para além do tom francamente íntimo dos
poemas. Mesmo nos casos em que aparentemente busco a
polêmica, mais regurgito minha parte no diálogo, como
quem responde uma deixa, do que me ponho em posição
de ataque. Para além desse pathos, o que me interessa
mais é a polifonia de percepções e materialidades verbais
de que é feito cada poema. Quando à melancolia, ela é um
dos vórtices de que sou feito, não há porque negá-la.


2

A poesia é sempre um arranjo de redução – de um fato, de
um sentimento ou mesmo de uma ideia – mais ou menos
evidente, mais ou menos misterioso, para um corpo verbal
conciso de reverberação abstrata. Esses arranjos se dão
sob pressão, não exatamente das circunstâncias fatuais,
mas de uma certa atmosfera que se cria, especialmente
durante a escrita, e mesmo antes, inseparável já das
palavras que a vão fundindo ou desvelando. Nos melhores
casos essa pressão estrutura o corpo :nal e torna latente
no sentido do poema.


3

Não escrevo tomado por um sentimento; escrevo tomado
pela ideia de um sentimento. Mesmo quando as coisas
confluem, tenho sempre um pressentimento abstrato do
corpo verbal, em direção ao qual procuro trabalhar, até que
ele vá se estruturando, com essa miríade de pequenos
mecanismos internos, sem os quais o poema não vem à
vida, e de onde provém boa parte do sentido.


4

A ideia de que alguns poemas são escritos de dentro para
fora, de que a arquitetura interna antecede, ou mesmo
torna dispensável, a construção externa, porque assume
para si, como uma vocação telúrica, a inteira função
estrutural do edifício semântico-verbal, essa ideia vale para
grupos inteiros de meus poemas, e mesmo para alguns
poucos poetas cuja vocação irrompe em meio a um
contexto fortemente restritivo.


5

O poeta é um intuicionado. Mesmo o pensamento nele vem
em forma de intuição, o que significa dizer que ele está
sempre lidando com o que não sabe, o que não vê, o que
não alcança. Disso decorre sua precariedade, mas também
a força de seu destino.


6

Por mais reflexiva que seja, a poesia é sempre um convite à
cointuição, a esse indeterminado que nos escapa, mas que
se dá ao pressentimento da razão em todos os instantes da
vida, e que não pode ser senão perfeito e acabado.


7

Um poema não é uma linha reta entre o que o poeta sente,
ou pensa, e a expressão desse sentimento ou dessa ideia. É
no percurso da escrita que o sentimento de mundo se dá,
num espelhamento interno e externo sem o qual a vida
resultaria num simples artefato de palavra, desprovido da
animação que lhe é tão cara. Um poema é um pequeno
percurso de linguagem onde a vida, misteriosa e
engenhosamente, se dá. A linha reta, em poesia, é sempre
curva.


8

Não exatamente a palavra usada, nem a ideia por ela
expressa, mas a ênfase com que ela é usada é que anima o
tema e vivifica a ideia. Sem essa ênfase, que só pode
decorrer da identidade particular de quem escreve, não há
palavra exata nem ideia pertinente ou mesmo sublime que
salve um poema da palidez emocional e da opacidade
intelectual. E a ênfase não se manifesta só, obviamente,
nas metáforas e antíteses, nem mesmo apenas nos
substantivos fundantes, francamente expressos, nem nos
adjetivos vocacionados, mas também, e particularmente,
no subtexto de assonâncias, aliterações reversas e
espelhadas, nos silêncios súbitos ou premonitórios que
costuram os versos e as estrofes. São esses pequenos
recursos que vivificam a vida de alguns poemas, fazendo-os
respirar como seres vivos.


9

Os poemas de A Arte Muda da Fuga nasceram de um
vórtice de pressão comum, apesar da diversidade de temas
que eles tocam. Pressão externa, naturalmente, do
contexto ao qual estou subjugado, mas também, e não
menos intensamente, do contexto semântico interno de
cada poema, instaurado desde o primeiro verso e que de
alguma forma precisava cobrir com urgência o
pressentimento de um corpo de sombra. Eles descendem
praticamente todos desse mesmo vórtice de pressão e
urgência.


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