dispersão universal
Três dias antes de morrer
o latido foi se apagando
até a afonia completa
depois os olhos envidraram
baços de indiferença e dor
até a tremedeira convulsiva
e o espasmo final
agora, na primeira manhã
branco com manchas
pretas
vaga pelo terreno de sombra
em sombra, primeiro indício
da dispersão universal
Carlos Dala Stella
do livro A ARTE MUDA DA FUGA
A foto tem quatro ou cinco anos. Hanna, a pastora, morreu há pouco mais de um ano. Não é o cão do poema. Nem eu sou mais o mesmo. Mas a dispersão universal continua, impreterivelmente. Como continua nossa identidade maio humana, meio animal. Gosto de pensar que somos nós que dependemos deles, cães e gatos; só assim podemos exercer nossa docilidade animal. Porque há uma nossa ternura, completamente muda e alheia à palavra, que de outra forma não saberíamos como externar. Certo, há o amor, a infância, a velhice, mas os cães correspondem a nosso silêncio com mais silêncio, um silêncio de indizível ternura. Fica a impressão, possivelmente equivocada, de que nos compreendemos.
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