A solidão resulta cada vez mais de uma vontade individual, que tem de ser tanto mais forte quanto maior o fluxo ininterrupto dos conteúdos e atividades globais, exatamente o contrário do que ocorria num passado não muito distante. As distâncias, o deslocamento moroso, a circulação restrita de livros, a natureza mesma da subsistência, quase tudo nos constrangia à solidão. Era necessário um grande esforço para abrir janelas nessa solidão, para enxergarmos apenas uma parcela ínfima da paisagem humana, que frequentemente parecia habitar regiões recônditas e inalcançáveis.
O que ocorre hoje é o contrário, tudo conspira para a socialização. Há um consenso subentendido de que a solidão é insuportável, de que é preciso mobiliá-la. E há algum tempo a peça principal desse mobiliário são as telas. Começou com o cinema, a TV, até desembocar no computador, no celular, no iPad, no palm top... Se por algum motivo esse sistema de transmissão de dados e imagens entrasse em colapso, o pânico se generalizaria de imediato. O pânico de ter de ficar só consigo mesmo, desconectado do mundo, como se o mundo existisse preponderantemente via tela do computador ou da TV. Quando é evidente que esse tele-mundinho não se compara à riqueza do mundo que nos vai dentro, desde que desejemos e tenhamos a coragem de explorá-lo, ou do mundo que se vê pela janela de casa, more-se em qualquer beco de qualquer cidade do planeta.
Mas parece mesmo que ficar só não exerce mais nenhum atrativo sobre o homem. É patética essa pseudo-solidão conectada, esse desacompanhamento coletivo em rede. Teria a solidão individual sido suplantada pelo espelhamento de si mesma em rede? Seria assim mais fácil suportá-la, menos traumático? Fugindo da solidão individual estaríamos constituindo uma tele-solidão coletiva, alimentada pelo fluxo ininterrupto de eventos que nos chegam como realidade meramente virtual?
Várias vezes penso que esse desejo de assistir ao mundo, de saber tudo o que está acontecendo em todos os lugares, de divulgar aos quatro ventos o evento que promovemos ou de que participamos, de possuir mais e mais amigos virtuais, não é senão a reedição rebaixada do velho desejo de voar que tínhamos quando criança, esse desejo de ver tudo e todos simultaneamente, lá embaixo, de abraçar o mundo com os olhos. Nossa eterna ânsia de absoluto. Ingênua então, mas fecunda, enquanto que a ânsia de agora não parece senão um pálido reflexo daquela, pobre e condenada quase sempre ao circuito fechado do mundo virtual.
2 comentários:
Ontem, por puro acaso, tive uma longa conversa com uma amiga sobre solidão, após ter lido e comentado sua postagem anterior. Disse para ela que considero a companhia uma solidão compartilhada. As redes sociais, como você coloca, são esse desespero por não sentir-se só, baseados na ilusão de não estar só. A língua portuguesa fornece esse presente para nós; 'estar só' e 'ser só'. As pessoas fogem do 'estar só' na expectativa de escapar do mais terrível, o 'ser só', mas para esse não parece haver escapatória. A tela interior é, e sempre será, a caverna em que estamos presos.
Ps: Desculpe se escrevi muito.
Lucas, você tem razão. Lembrei do ser só na alma, do Álvaro de Campos. Mas admitir esse estado, hoje, seria algo como cometer suicídio. Abraço amigo.
Carlos
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