Algumas telas têm que ficar pela metade, porque o essencial já se deu. Nunca percebo isso no ato, preciso de pelo menos um dia para compreender onde afinal cheguei. Esse dia às vezes vira um ano. A solução final ainda não está em mim, tenho que ter paciência e ficar bem atento. Distraidamente atento. Pode que a solução seja soparada inesperadamente pelo vento numa manhã qualquer do meu porvir.
É que tenho uma queda irreversível pelo desenho, pelas sucessivas camadas de carvão que vão se acumulando no algodão cru. Pode que seja um erro, que o melhor mesmo fosse seguir o fluxo do pincel em direção a sabe-se lá o quê. Mas seguir, concluindo de inequívoca conclusão a tela. E no entanto, o carvão diz o que seria uma pena cobrir com tinta.
Talvez o que esteja em jogo seja meu amor ancestral à melodia. Porque o desenho é melodia, enquanto a cor é harmonia. Quem me disse isso foi o Matias, certeiro, comentando a tela do cachorro. É que nesse momento de minha vida estou na divisa, cada vez mais sensível às harmonias, mais e mais entregue ao ócio das especulações - como se pode notar.
4 comentários:
a cor é harmonia e o desenho melodia... eu tenho cantarolado um pouquinho, monocromática, errante...
Quem cantarola faz dos males marola.
Um vez Cortázar comparou o romance a uma pintura/óleo e o conto a uma aquarela... achei tão bonito. Mas já encontrei contos/esculturas e romances aquarelados! Creio que todo artista tem um pouco de sinestesia... sinto os cheiros de minhas fotos e as cores de meus contos!
Você tem razão, essas comparações só fazem sentido no contexto em que surgiram. Já a sinestesia... ela é o sal da terra.
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