1 O processo de apreender um rosto, em mim, se dá durante e não antes do desenho. Quanto mais desenho, mais compreendo, ou tenho a ilusão de compreender, determinado olhar, mais apreendo um determinado sorriso, ambíguo e discreto. Como se o traço corresse a par e passo com o pensamento, separados, mas em sincronia. Por isso faço pequenas sequências de um ‘retratado’, para me dar tempo. O primeiro normalmente sai mais espontâneo, contradizendo a tensão inicial, o último mais sintético. Mas não há uma regra fixa.
2 No primeiro desenho a gente quer dar conta de todo o rosto, esquecendo que apenas alguns de seus traços lhe conferem a marca simplificada com que ele é visto. O bigode em Leminski, o sorriso discreto, gozoso. E um certo modo de olhar, sempre armando o que virá depois, a leveza inteligente do último verso. Desenhar um rosto é fazer escolhas, mas num nível quase inconsciente. Às vezes penso que apenas a mão guarda certo grau de consciência.
3 E no final a síntese, quase um processo de desmonte. O rosto reduzido a uma membrana de percepção, mais ou menos certeira, mais ou menos equivocada. Mas sempre um artefato simplificado de linhas. Pode que o Leminski mais jovem pareça mais seguro, mesmo o riso é de uma natureza mais controlada, o rosto antes do desmonte - que a vida impõe. O que importa no entanto é tomar o rosto de carne e osso como pretexto para a especulação do desenho.
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