quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Poesia Brasileira / Jornal RASCUNHO

PARTINDO LENHA


quando a lâmina em cunha do machado
está afiada e o golpe é bem dado
a lenha se abre à primeira machadada

a força é necessária, mas a qualidade
do golpe, a favor do veio seco
nunca contra, é que faz a diferença

o ângulo reto sobre o topo da acha
ou levemente inclinado desviando o nó
vai determinar a eficácia da batida

o estalido seco e rasgado das fibras
aquece antes do fogo o corpo
como o esforço físico despendido

aos oitenta e dois anos, minha nona
três dias antes de morrer, partia lenha
no tronco, sob o telhadinho do paiol

 o vestido azul xadrez, o coque branco
o corpo magro e enérgico, e súbito
o quarto de círculo do golpe no ar

sem nenhum trejeito ou desperdício
de energia, concentrado em fender
no ponto certo o pinho ou a bracatinga

lembro do azul limpo e alegre dos olhos
em comunhão com o céu maior
da pele fina das mãos e das pernas

daquele modo justo de caber na vida
e eficiente, sem que no entanto
sua aura de alfazema se perdesse

carlos dala stella



NONA IZA / PARTINDO LENHA

O desenho tem trinta anos, notação rápida, de lembrança. Foi feito pouco mais de um ano depois da morte de minha avó paterna. Essa cachorra no canto direito se chamava Suzi. (Depois vieram pelo menos três gerações de Quincas Borba, que sempre preferi à Memórias Póstumas e Dom Casmurro. Quanto a Brás Cubas, ao depois amor pegou, como diria Drummond, mas Dom Casmurro continua até hoje preterido. Quase trezentas páginas remoendo a traição é um pouco demais, evidência inequívoca do prazer de corno do falso casmurro.) E a avó é a mesma do poema Partindo Lenha, publicado na edição de dezembro do jornal Rascunho, na coluna Poesia Brasileira, de Mariana Ianelli.

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