segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O voo começa no ovo / caderno 50




Estudos para painel-mural em cimento, 150m². Tema: o voo começa no ovo. Caderno de ateliê 50. Possíveis futuras telas.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Federico García Lorca/O Divã do Tamarit

LEMBRANÇA DE AMOR


Não leves embora a lembrança.
Deixa-a mais em meu peito,

arrepio de cerejeira
no alvor frio de janeiro.

Só me separa dos mortos
um muro de pesadelos.

Dor de um lírio fresco
em um coração de gesso. 

A noite toda dois cães, 
meus olhos na plantação.

A noite toda correndo
entre valas de veneno. 

Às vezes é uma tulipa
cheia de medo, o vento. 

Uma tulipa enferma,
a madrugada de inverno. 

Só um muro de pesadelos
me separa dos mortos. 

A névoa cobre em silêncio
o vale gris de teu corpo. 

Cresce a cicuta sobre
o arco de nosso encontro. 

Mas deixa tua lembrança
um pouco mais em meu peito.


RECUERDO DE AMOR

No te lleves tu recuerdo.
Déjalo solo en mi pecho,

temblor de blanco cerezo
en el martirio de enero.

Me separa de los muertos
un muro de malos sueños.

Doy pena de lirio fresco
para un corazón de yeso.

Toda la noche en el huerto
mis ojos, como dos perros.

Toda la noche, corriendo
los membrillos de veneno.

Algunas veces el viento
es un tulipán de miedo,

es un tulipán enfermo,
la madrugada de invierno.

Un muro de malos sueños
me separa de los muertos.

La niebla cubre en silencio
el valle gris de tu cuerpo.

Por el arco del encuentro
la cicuta está creciendo.

Pero deja tu recuerdo
déjalo solo en mi pecho.

Tradução de Carlos Dala Stella. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

OFERENDA FLORAL


cada criança que Israel explode
na Faixa de Gaza é uma flor branca
arrancada da paisagem

perfumemos os jardins de Jerusalém
com cada uma das 300 flores
tingidas de vermelho pelo exército de Israel

decoremos a mesa de jantar
de 300 famílias de judeus ortodoxos
com as pétalas vermelhas do espírito santo

e inundemos a noite pestilenta
da terra santa com os jasmins da infância
desejando a todos bons sonhos


inédito de Dala Stella


quinta-feira, 24 de julho de 2014

AUGUSTO

meu pai
assim que começava a chover
se metia no banco detrás do fusca
com um travesseiro
para dormir ao som dos pingos
tamborilando na lataria

não conheci ninguém que vivesse
com tanta desenvoltura

quanta falta me faz
um mundo menos complicado e violento
vivo da simples ternura de viver

inédito Carlos Dala Stella 
 


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Eugenio Montale / 9

AMIGOS


Não caiam nessa de anos-luz
de tempo-espaço curvo ou plano.
A verdade nada em nossas mãos
mas como fisgar a viscosa enguia
se nem os mortos o conseguiram?
Talvez para não repetir a sina
difícil e inútil dos vivos.



Amici, non credete agli anni-luce
al tempo e allo spazio curvo o piatto.
La verità è nelle nostre mani
ma è inafferrabile e sguiscia come un’anguilla.
Neppure i morti l’hanno mai compresa
per non ricadere tra i viventi, là
dove tutto è difficile, tutto è inutile.


Poema de Eugenio Montale, Altri Versi
Tradução de Carlos Dala Stella

Algumas raras entrevistas com Eugenio Montale foram disponibilizadas na internet nos últimos anos. Em todas o poeta conjuga lucidez, concisão e ironia, sem nenhuma pose. Às vezes ele parece dialogar com sua posteridade, tratando de questões ainda hoje tão mal resolvidas, como a distinção entre poesia e prosa, encalhada há décadas na disneylândia do dialogismo da linguagem. Vale a pena conferir. 
 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Eugenio Montale / 8

A VERDADE


A verdade rói como traças e ratos
está no pó das gavetas cheias de mofo
na casca seca do grão. 
A verdade é sedimento, estagnação
nunca a logorreia insulsa dos dialéticos. 
É teia de aranha, durável
até que você passa a vassoura.
Blefam os escoliastas dizendo que tudo
está em movimento. Faz água 
por todos os lados a ideia de que depois 
do antes sempre vem um depois. 
Sorte do néscio que não embarca nessa. 
Vivemos melhor sem eles, ou talvez pior
mas recobramos o fôlego.



LA VERITÀ



La verità è nei rosicchiamenti
delle tarme e dei topi,
nella polvere ch'esce da cassettoni ammuffiti
e nelle croste dei 'grana' stagionati.
La verità è la sedimentazione, il ristagno,
non la logorrea schifa dei dialettici.
È una tela di ragno, può durare,
non distruggerla con la scopa.
È beffa di scoliasti l'idea che tutto si muova,
l'idea che dopo un prima viene un dopo
fa acqua da tutte le parti. Salutiamo
gli inetti che non s'imbarcano. Si starà meglio
senza di loro, si starà anche peggio 
ma si tirerà il fiato.


Poema de Eugenio Montale, Quaderno di quattro anni
tradução de Carlos Dala Stella

segunda-feira, 14 de abril de 2014


VEREDITO


deu na gazeta de hoje: o assassino
de Wilson Bueno foi absolvido
por 4 votos a 3 e não cabe recurso
Wilson Bueno foi três vezes
condenado: por Cleverson Schmitt
autor da facadafatal no pescoço
pelo tribunal do júri e pelo silêncio
conivente da mídia local
é a regra: o poder instituído não
tolera a rosa em botão do homem


poema inédito de Dala Stella