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quinta-feira, 25 de junho de 2009
domingo, 21 de junho de 2009
Caderno 33
Desenho + colagem do caderno de ateliê 33, cuja capa aparece logo a seguir (50x100cm aberto).
sábado, 20 de junho de 2009
José María Fonollosa
Um poeta secreto nunca surge repentinamente, quase sempre ele luta na clandestinidade contra a indiferença de seu tempo. O anonimato dessa luta não significa que ele não tenha tentado romper o silêncio ao seu redor, em busca do reconhecimento. Repentina às vezes parece a acolhida de sua obra, mais tarde, quando ele já morreu ou está prestes a morrer. Mas mesmo nesse caso é uma ilusão creditar a uma única pessoa o descobrimento de um poeta desconhecido, muito menos a sua divulgação.
Não foi assim com Fernando Pessoa nem com Constantin Cavafy, dois possíveis pares do autor de Ciudad del hombre: Barcelona, no que se refere à recepção de suas obras. Embora tenha sido comparado a ambos, o barcelonês José María Fonollosa ainda não goza do mesmo reconhecimento sequer na Espanha, onde carrega a pecha de poeta secreto. Se não chega a surpreender que um poeta desse calibre seja ainda hoje um quase desconhecido até mesmo em seu país de origem, é espantoso que enquanto as estridentes vanguardas européias esbanjavam vigor, alguém se dedicasse tão visceralmente a uma poesia toda ela forjada em nome da “maldita e difícil simplicidade”.
Não é fácil conjugar um pessimismo tão extremado, um tão alto grau de despersonalização e uma lucidez tão feroz, com algumas das características mais caras aos projetos poéticos desse século, tais como o ludismo, os jogos de linguagem e a exaustiva recorrência a temas e procedimentos ditos modernos. Fonollosa nega indefinidamente, nega o amor, o sexo, o sonho, a crença no além, na integridade do corpo, da alma, do cérebro, nega a existência de deus, da amizade, do “eu” - embora essa negação última seja a peça chave para a delimitação do contorno preciso de sua personalidade artística.
Várias vezes lendo seus poemas lembrei das telas do pintor Francis Bacon, tal a violência com que ambos expressam seus sentimentos sobre a vida. Com a diferença de que no poeta espanhol a distorção a que o pintor dublinense submete suas figuras dá lugar a um realismo impiedoso - talvez uma nova forma de distorção.
Mas quem é este poeta que em grande parte continua inédito? Uma pequena biografia, publicada numa de suas coletânea, assim resume a vida daquele que contrapôs à Cidade de Deus, de Santo Agostinho, sua Cidade dos Homens:
“José María Fonollosa (1922-1991), um dos poucos exemplos de que dispõe a literatura espanhola de poeta secreto, nasceu e morreu em Barcelona. Antes de mudar-se para Cuba em 1951, publicou dois livros que passaram desapercebidos: La sombra de tu luz (1945) e Umbral del silencio (1947). Depois de sua volta em 1961, se concentrou em uma obra à margem das sucessivas estéticas dominantes, ao mesmo tempo que elegeu uma solidão criadora que só tentaria romper ao participar de algum concurso literário, que não ganhou. Em 1990, foi publicado Ciudad del hombre: New York, parte do que depois se chamaria Ciudad del hombre: Barcelona. Fonollosa, desconhecido e desprezado em seu tempo, continua à espera de que a crítica e os leitores o descubram.”
Do total de 236 poemas que compõem o manuscrito de sua última obra, todos hendecassílabos brancos, compostos em absoluto silêncio entre 1947 e 1985, 97 foram publicados em 1990 por Pere Gimferrer; 14 pela pequena editora barcelonesa Bauma, Cuadernos de Poesía, em 1993. A esses 14 poemas somaram-se outros 68, compondo a coletânea Ciudad del hombre: Barcelona, de 1996, pela DVD ediciones, da qual foram extraídos os poemas aqui traduzidos. Ainda restam portanto 57 poemas inéditos.
PASSEIG DE PICASSO
No es mucho lo que tengo y poco es mío.
He llenado de notas mi cerebro
y en innúmeras fichas se amontonan
ideas, expresiones y mil tópicos
no bien clasificados todavía.
Cuando surge un problema o discusión
com rapidez se activan mis archivos
y me sirven -no siempre- las palabras
de aquél que dijo aquello y cuándo y dónde.
Pero de lo que expongo nada es mío.
Cual mi vida que siento como propia
y la tengo, no obstante, en usufructo.
Utilizo a los otros. Mejor dicho
me utilizan los otros cual vehículo
de opiniones antiguas, repetidas
por las generaciones anteriores,
que asimismo expusieron lo aprendido.
Es insignificante lo que es mío.
Tan sólo conclusiones com los datos,
no completos, que albérganse en mi mente
y que pueden, por ello, no ser válidas.
Aun, pues, lo poco mío vale poco.
PASSEIG DE PICASSO
Do pouco que tenho, ainda menos é meu.
Enchi de notas meu cérebro
e em inúmeras fichas se amontoam
idéias, expressões, mil tópicos
ainda não completamente classificados.
Quando surge um problema ou discussão
rapidamente ativo meus arquivos
e me ocorrem -nem sempre- as palavras
de alguém que disse algo e quando e onde.
Mas nada do que exponho é meu.
Também a vida que sinto como minha
apenas em usufruto a tenho.
Sirvo-me dos outros. Melhor dito
servem-se de mim os outros como veículo
de opiniões antigas, repetidas
pelas gerações anteriores,
que ao menos expuseram o aprendido.
O que é meu é insignificante.
Nada além de conclusões com os dados,
incompletos, que pernoitam em minha mente
e que portanto podem não ser válidas.
Por isso, vale tão pouco meu pouco.
RAMBLA DELS ESTUDIS 2
Cada uno habla de sí mismo hasta cuando
aparenta tratar de los demás.
Molesta y desanima ver que todos
se ocupan sólo, egoístas, de su “yo”.
Es como estar rodeado de semáforos
rojos constantemente. Sin luz verde.
No hay modo de que escuchen lo que digo
cuando me acerco para de mí hablarles.
RAMBLA DELS ESTUDIS 2
Todos falam de si próprios, mesmo se
fingem tratar dos outros.
Aborrece e desanima ver que eu e você
egoístas, cuidamos somente de nós mesmos.
É como estar cercado de semáforos
com o sinal vermelho. Nunca o verde.
Como fazer com que escutem o que digo
quando me aproximo para falar de mim?
PS
Esses dois poemas, mais meia dúzia, traduzi e foram publicados no jornal Gazeta do Povo, juntamente com o texto introdutório.
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Não foi assim com Fernando Pessoa nem com Constantin Cavafy, dois possíveis pares do autor de Ciudad del hombre: Barcelona, no que se refere à recepção de suas obras. Embora tenha sido comparado a ambos, o barcelonês José María Fonollosa ainda não goza do mesmo reconhecimento sequer na Espanha, onde carrega a pecha de poeta secreto. Se não chega a surpreender que um poeta desse calibre seja ainda hoje um quase desconhecido até mesmo em seu país de origem, é espantoso que enquanto as estridentes vanguardas européias esbanjavam vigor, alguém se dedicasse tão visceralmente a uma poesia toda ela forjada em nome da “maldita e difícil simplicidade”.
Não é fácil conjugar um pessimismo tão extremado, um tão alto grau de despersonalização e uma lucidez tão feroz, com algumas das características mais caras aos projetos poéticos desse século, tais como o ludismo, os jogos de linguagem e a exaustiva recorrência a temas e procedimentos ditos modernos. Fonollosa nega indefinidamente, nega o amor, o sexo, o sonho, a crença no além, na integridade do corpo, da alma, do cérebro, nega a existência de deus, da amizade, do “eu” - embora essa negação última seja a peça chave para a delimitação do contorno preciso de sua personalidade artística.
Várias vezes lendo seus poemas lembrei das telas do pintor Francis Bacon, tal a violência com que ambos expressam seus sentimentos sobre a vida. Com a diferença de que no poeta espanhol a distorção a que o pintor dublinense submete suas figuras dá lugar a um realismo impiedoso - talvez uma nova forma de distorção.
Mas quem é este poeta que em grande parte continua inédito? Uma pequena biografia, publicada numa de suas coletânea, assim resume a vida daquele que contrapôs à Cidade de Deus, de Santo Agostinho, sua Cidade dos Homens:
“José María Fonollosa (1922-1991), um dos poucos exemplos de que dispõe a literatura espanhola de poeta secreto, nasceu e morreu em Barcelona. Antes de mudar-se para Cuba em 1951, publicou dois livros que passaram desapercebidos: La sombra de tu luz (1945) e Umbral del silencio (1947). Depois de sua volta em 1961, se concentrou em uma obra à margem das sucessivas estéticas dominantes, ao mesmo tempo que elegeu uma solidão criadora que só tentaria romper ao participar de algum concurso literário, que não ganhou. Em 1990, foi publicado Ciudad del hombre: New York, parte do que depois se chamaria Ciudad del hombre: Barcelona. Fonollosa, desconhecido e desprezado em seu tempo, continua à espera de que a crítica e os leitores o descubram.”
Do total de 236 poemas que compõem o manuscrito de sua última obra, todos hendecassílabos brancos, compostos em absoluto silêncio entre 1947 e 1985, 97 foram publicados em 1990 por Pere Gimferrer; 14 pela pequena editora barcelonesa Bauma, Cuadernos de Poesía, em 1993. A esses 14 poemas somaram-se outros 68, compondo a coletânea Ciudad del hombre: Barcelona, de 1996, pela DVD ediciones, da qual foram extraídos os poemas aqui traduzidos. Ainda restam portanto 57 poemas inéditos.
PASSEIG DE PICASSO
No es mucho lo que tengo y poco es mío.
He llenado de notas mi cerebro
y en innúmeras fichas se amontonan
ideas, expresiones y mil tópicos
no bien clasificados todavía.
Cuando surge un problema o discusión
com rapidez se activan mis archivos
y me sirven -no siempre- las palabras
de aquél que dijo aquello y cuándo y dónde.
Pero de lo que expongo nada es mío.
Cual mi vida que siento como propia
y la tengo, no obstante, en usufructo.
Utilizo a los otros. Mejor dicho
me utilizan los otros cual vehículo
de opiniones antiguas, repetidas
por las generaciones anteriores,
que asimismo expusieron lo aprendido.
Es insignificante lo que es mío.
Tan sólo conclusiones com los datos,
no completos, que albérganse en mi mente
y que pueden, por ello, no ser válidas.
Aun, pues, lo poco mío vale poco.
PASSEIG DE PICASSO
Do pouco que tenho, ainda menos é meu.
Enchi de notas meu cérebro
e em inúmeras fichas se amontoam
idéias, expressões, mil tópicos
ainda não completamente classificados.
Quando surge um problema ou discussão
rapidamente ativo meus arquivos
e me ocorrem -nem sempre- as palavras
de alguém que disse algo e quando e onde.
Mas nada do que exponho é meu.
Também a vida que sinto como minha
apenas em usufruto a tenho.
Sirvo-me dos outros. Melhor dito
servem-se de mim os outros como veículo
de opiniões antigas, repetidas
pelas gerações anteriores,
que ao menos expuseram o aprendido.
O que é meu é insignificante.
Nada além de conclusões com os dados,
incompletos, que pernoitam em minha mente
e que portanto podem não ser válidas.
Por isso, vale tão pouco meu pouco.
RAMBLA DELS ESTUDIS 2
Cada uno habla de sí mismo hasta cuando
aparenta tratar de los demás.
Molesta y desanima ver que todos
se ocupan sólo, egoístas, de su “yo”.
Es como estar rodeado de semáforos
rojos constantemente. Sin luz verde.
No hay modo de que escuchen lo que digo
cuando me acerco para de mí hablarles.
RAMBLA DELS ESTUDIS 2
Todos falam de si próprios, mesmo se
fingem tratar dos outros.
Aborrece e desanima ver que eu e você
egoístas, cuidamos somente de nós mesmos.
É como estar cercado de semáforos
com o sinal vermelho. Nunca o verde.
Como fazer com que escutem o que digo
quando me aproximo para falar de mim?
PS
Esses dois poemas, mais meia dúzia, traduzi e foram publicados no jornal Gazeta do Povo, juntamente com o texto introdutório.
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quarta-feira, 17 de junho de 2009
O espanto em nós
Desde a primeira linha de A metamorfose, padeço do assombro de Franz Kafka. Esse desenho, tantos anos depois, poderia ser o retrato do assombro da vida em nós. De um de meus cadernos de ateliê.
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terça-feira, 16 de junho de 2009
Shirin Neshat
Solilóquio e Passagens, da artista iraniana naturalizada americana Shirin Neshat, não são apenas dois vídeos, são experiências visuais profundamente tocantes. Não lembro de ter sido tão surpreendido em um museu. Ela escreve suas fotos. Aqui, brinco com a fotocópia de uma dessas fotos em um de meus cadernos de ateliê.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Paulo Venturelli
Dando continuidade à série de retratos, trago pra cá, hoje, o retrato de meu querido amigo Venturelli - um retrato espontâneo, não-voluntário, que acabou vindo porque quis. Usei a capa colorida de uma Guia das Artes como colagem - a antológica revista dirigida por Len Berg e editada pela Casa Editorial Paulista.
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Violão
De 2005 a 2006 me dediquei a um painel encomendado para uma residência, composto por vários materiais: cimento sobre vidro jateado e, ao fundo, uma tela, tudo no formato trapézio, com dois ângulos retos na base e 160 cm de altura. O tema era a música. O título provisório: mulher-pomba com violão.
Além desse conjunto, fiz dois outros vidros jateados para uma porta que ficava imediatamente sob o painel, perseguindo o mesmo tema. Durante o processo, realizei uma série de estudos, entre eles alguns desenhos para os vidros dessa porta. A tela acima é um desdobramento, posterior à encomenda, de um desses estudos.
Ícaro
Entre a série de ícaros que pintei, há este - acrílica sobre tela, 180,5 x 140,5 cm. O ponto de partida foi uma colagem, como tantas vezes antes.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Recortes/Arte Aplicada
Expus esse recorte no bazar do ACT ano passado. Usei lâminas de papel-cartão branco e recortes de algumas páginas arrancadas de um livro inglês sobre artesanato, sobre as quais desenhei, como faço sempre. Além, claro, de placas de fuan, como máscaras internas, para distanciar uma lâmina de papel da outra.
Alguns trabalhos da mesma família estão expostos na galeria Arte Aplicada, outros na 18ª Mostra Artefacto.
domingo, 7 de junho de 2009
Metamorfose
A música usada como trilha sonora faz parte da obra para alaúde de JS Bach, Fugue g-moll BWV 1000, executada por Andreas Martin. Embora continue preferindo os velhos e bons cds ao mp3, baixei esta do site P.Q.P Bach, uma mina de ouro para quem gosta do kantor de Leipzig.
sexta-feira, 5 de junho de 2009
un point
Quand les yeux s'ouvrent au milieu de la nuit, étourdis, ils cherchent un point. On ne ferme jamais de le chercher.
j'ignore
Moi, ce qu’il faut dire c’est que j’ignore toujour plus. La peinture ma fait devenir um grand ignorant. C’est ça la vérité, plus je travaille plus j’ignore où je vais. Et il y a un bonheur là dedans, au centre vide de cette ignorance, frais comme le bonheur de l’amour.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Saramago
Numa madrugada dessa semana, fiz esse retrato, lembrando do Saramago dos últimos tempos, fragilizado pelo mal do soluço. Com esse desenho começo a mostrar parte dos retratos de artistas, quase sempre contemporâneos, que venho fazendo há muito tempo. Alguns são desenho puro, como esse, grafite e papel, outros são desenhos-colagens, ou mesmo recortes. Apenas um ou outro foi publicado.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
justiça alguma
Nasce-se de uma vontade humana; morre-se incondicionalmente do mesmo incógnito impositivo. Não há justiça alguma no ápice dos eventos.
A flor da indigência
nu o sexo e o ilíaco exposto
divido a morte com o morto
nas alegrias particulares
o indigente não descansa mais
adormece, pueril e belo
braços quebrados sobre a cabeça
nos olhos duas meninas mortas
incompleto o último pensamento
da beleza mutável do rosto
resta boca adentro o espanto
em silêncio entrega às moscas
o peso bruto do ser e o grito
crianças ao pé do corpo
da indigência cultivam a flor
Transcrevo o 9° poema de O caçador de vaga-lumes, publicado em 1998, graças a um amigo. Ainda hoje vejo nesse conjunto os fragmentos de um projeto maior que não chegou a se cumprir. Depois de escrever durante cinco anos, fui cortanto e cortando até chegar a pouco mais de 300 versos - que eu diminuiria ainda mais caso o livro fosse reeditado.
nu o sexo e o ilíaco exposto
divido a morte com o morto
nas alegrias particulares
o indigente não descansa mais
adormece, pueril e belo
braços quebrados sobre a cabeça
nos olhos duas meninas mortas
incompleto o último pensamento
da beleza mutável do rosto
resta boca adentro o espanto
em silêncio entrega às moscas
o peso bruto do ser e o grito
crianças ao pé do corpo
da indigência cultivam a flor
Transcrevo o 9° poema de O caçador de vaga-lumes, publicado em 1998, graças a um amigo. Ainda hoje vejo nesse conjunto os fragmentos de um projeto maior que não chegou a se cumprir. Depois de escrever durante cinco anos, fui cortanto e cortando até chegar a pouco mais de 300 versos - que eu diminuiria ainda mais caso o livro fosse reeditado.
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