.: Entrevista com Carlos Dala Stella, autor do livro “A Arte Muda da Fuga”
segunda-feira, novembro 26, 2018Sem Comentarios
Carlos Dala Stella
Por Helder Moraes Miranda, em novembro de 2018.
Carlos Dala Stella acaba de lançar pela editora Positivo o livro “A Arte Muda da Fuga”, com 108 poemas reunidos que foram manuscritos nos cadernos de ateliê de Dala Stella.
Uma seleção criteriosa foi feita por Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela USP, a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens. As imagens do livro são pistas sobre o processo criativo do autor, que escreve e desenha cotidianamente em seus cadernos ilustrados há 39 anos.
Poeta, artista plástico e contista, ele nasceu em 1961, no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba. Formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, dedica-se ao desenho desde a década de 80, quando expôs na Itália. Publicou os livros “O Caçador de Vaga-lumes” (poemas, 1998), “Riachuelo, 266” (contos e crônicas, 2000), “Bicicletas de Montreal” (fotografia e outras artesvisuais,2002) e “Ogatosemnome” (poemas, 2007).
Foi finalista do Prêmio Jabuti em 2012 na categoria Ilustração com o livro “Quer Jogar?” (livro ilustrado, 2011). Nas artes, o autor transita por murais de cimento e vidro, telas, retratos a lápis, nanquim e esculturas em papel, mas é nos cadernos de ateliê que cotidianamente escreve e desenha.
RESENHANDO - Para você, o que pode ser considerada a arte muda da fuga?
CARLOS DALA STELLA - Poesia como fuga do excesso de realidade, incluído esse "universo bíblico de telas" do mundo virtual. Mas fuga de fora para dentro, em direção a um certo recolhimento, onde a liberdade é maior. Mas também fuga no sentido musical do termo: gênero barroco do contraponto, onde duas ou mais vozes musicais correm lado a lado, fugindo e se entrelaçando umas nas outras. Em ambos os casos, a arte muda do diálogo, através da poesia. Já que o diálogo está tão difícil cá fora.
RESENHANDO - Foram 108 poemas escolhidos a partir de aproximadamente duas mil páginas. Qual foi o critério de seleção?
C.D.S. - Quem fez a primeira seleção fui eu, de um conjunto maior, a definitiva, o conjunto do livro, foi Marta Morais da Costa. Ela poderia responder melhor. Mas o critério é o de sempre, os poemas que imaginamos ter mais qualidade. Os que se agrupam em temas mais estruturados, que imaginamos dialogar melhor com o presente, seja confirmando-o ou contradizendo-o.
RESENHANDO - Como a imagem e o texto podem se completar?
C.D.S. - Gostaria de ouvir a resposta do leitor. A intenção foi, inicialmente, recuperar o contexto gráfico de onde os poemas foram retirados. Porque na verdade eles fazem parte de um fluxo de imaginação maior. Depois descobrir vínculos entre um determinado recorte, por exemplo e o poema que vem logo a seguir. Esses links foram feitos pela editora Cristiane Mateus. Os recortes com estilete são uma modalidade de desenho que pratico com frequência. Imaginamos que eles se dão numa frequência de sutileza assemelhada a de muitos poemas do livro.
RESENHANDO - A natureza é algo muito presente na sua obra. Qual é o motivo disso?
C.D.S. - Cresci entre o mato de Santa Felicidade e o concreto da urbe. Tenho uma intimidade muito grande com essa natureza primitiva, ainda que não mais selvagem. Gosto de árvores e bichos, gosto que se acentuou com a infância de meus filhos e agora netos. Também a natureza é uma espécie de fuga, como bem sabiam os poetas-pintores chineses. Mas não há nada de bucólico no que escrevo. Escrevo olhando para frente, não para trás. Além do que, meu jardim é um pequeno bosque.
RESENHANDO - Você considera que se autobiografa em sua obra? Por quê?
C.D.S. - Sempre há autobiografia no que escrevemos, mais ou menos ficcionalizada. Afinal temos que partir de alguma coisa, nossa história ou nossa percepção da história. No livro, há uma série de poemas explicitamente autobiográficos, dedicados a pessoas que admiro. Mas também há poemas de reflexão, veio poético menos lírico ao qual me dedico bastante.
RESENHANDO - Você é um artista plástico consagrado, e também é poeta e cronista. Em que o artista plástico, o poeta e o cronista contribuem para formar o ser humano?
C.D.S. - Não sei como responder a essa pergunta. Eu padeço essa junção. Mas ela não se dá assim simultaneamente. Quando escrevia para jornal escrevia menos poesia, pintava menos. Quando pinto ou desenho bastante, escrevo menos. Embora cada vez mais consiga me dedicar a projetos cruzados, em várias áreas. O que junta tudo é um enigma que eu não gostaria de ver decifrado.
RESENHANDO - O que representam a literatura e as artes plásticas na sua vida?
C.D.S. - Mais do que representar alguma coisa, elas são a vida. A palavra e o desenho são a extensão de meu corpo. Nunca escrevi ou pintei pensando no mercado, a não ser quando tenho que responder a uma demanda. Mas mesmo as encomendas, é possível atendê-las sem interromper o desdobramento de projetos mais íntimos. O que posso dizer é quase uma obviedade: a escrita me dá uma consciência maior do mundo, enquanto a pintura e mesmo o desenho me obrigam a usar mais o corpo, consequentemente a enfrentar esse caos de percepções intuitivas.
RESENHANDO - Qual é o seu maior medo e por quê?
C.D.S. - De que as pessoas que amo sofram. Porque o sofrimento delas me afeta mais do que o meu.
RESENHANDO - No poema que dá título ao seu livro, você afirma: "o silêncio sempre foi meu maior interlocutor". Explique.
C.D.S. - Não explico nem a pau.
RESENHANDO - Há alguma explicação para as obras do livro serem em preto e branco?
C.D.S. - Originalmente a maioria dos recortes não tem cor. E a poesia é sempre em preto e branco. O resultado fica mais harmônico. Além disso o preto e branco ressalta minha arquitetura de papel.
*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.