quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

sobre o sentido

O sentido está sempre incompleto. A arte cria a ilusão de que ele se dá em bloco, mas na verdade - que não há para além do relativo provisório - a verdade não passa de um fragmento em permanente mutação. Uma chispa do que nos move de um ponto a outro, indefinidamente. O sentido, mesmo quando nos atinge subitamente, não vale mais do que um aceno, ou a mínima fração desse silêncio raso, onde se reflete um mar de idiotia.
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alegria alegria

E olho admirado esse mar de bostas cheios de si, transbordantes de satisfação estéril, cheios até o ladrão dessa alegria viscosa que vaza de seus olhos imbecis. E me pergunto como podem?
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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CASAL ENAMORADO

(homem flauta e mulher alaúde)

vidro jateado e óleo sobre tela

88x88cm

R$ 4.100,00

(com moldura)

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O cimento e o vidro andam juntos na arquitetura desde o modernismo, com a invenção do concreto armado. Mas não nas artes plásticas. A durabilidade do cimento, com suas qualidades estruturais, quase sempre se sobrepõe à fragilidade do vidro. A consequência é essa cisão de dois materiais tão estreitamente aparentados.

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Provavelmente isso se deva, ainda que não exclusivamente, às características intrínsecas do vidro, como a transparência e a fragilidade. É como se preferíssemos empregá-lo nos vitrais a fazer dele outros usos. Soldar uma peça de cimento numa placa de vidro impõe uma série de dificuldades técnicas não resolvida pela arquitetura, embora os materiais desenvolvidos pela construção civil possam ser usados para isso. Dilatação, flexibilidade e tensão estrutural são três dessas dificuldades.

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Mas mesmo o uso do vidro jateado, essa modalidade menos artesanal da gravura, vai pouco além da mera função decorativa. É como se o olhar sobre esse material fosse quase sempre conservador. Longe ou próximo do uso que dele sempre se fez, há uma dificuldade enorme em aliá-lo a outros materiais, especialmente ao cimento, mas também ao desenho, à tela, à colagem.

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Meio que ao acaso, munido de uma enorme curiosidade, foi essa costura que me ocorreu, incialmente com três painéis de cimento e vidro, que chamei de grafismos, inspirados numa série de abstrações quase caligráficas, feitas com nanquim. Três paineis surgidos de um sonho. Só depois é que empreguei simultaneamente vidro jateado, cimento e tela. Até chegar, fazendo o caminho de volta, ao vidro jateado e colagem, ou vidro jateado e desenho. Há um mundo a explorar aí.

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Esse casal enamorado acima, jateado no vidro, nasceu há anos. A tela preta que aparece por trás está montada a 8 cm do vidro, formando uma pequena caixa. Dois outros vidros foram jateados antes, retangulares, com as figuras separadas. E instalados na casa de um casal de clientes, como pequenas janelas. Entre ambos, a tela de um de meus Ícaros, em cujo corpo inscrevi parte do poema A Torre, de W. B. Yeats. .

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Esse diálogo em camadas, separadas por um vazio, ele não é novidade. Intuíam isso os gravuristas chineses, trabalhando em matrizes novas para cada cor. Embora o resultado da impressão compactasse cada um dos fragmentos do desenho, feitos em tacos separados, dando-lhes unidade, sempre pressenti entre essas camadas, lâminas de vazio. Meu coração gosta de pensar que é nesses vazios que gravitam os sentidos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Nona Isa










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Ayde, aí vão as imagens de minha nona que prometi, pelo menos algumas delas. A escultura e o desenho em azul de meio corpo (um cartão postal que enviei a meu pai) fiz em Monselice, Pádova, em 1987, os outros no ano seguinte, em Santa Felicidade. Tenho até hoje uma forma em isopor de minha nona Isa, que não cheguei a fundir. O último desenho é um estudo para esse painel de cimento que nunca concluí.

Lembro dos losangos de um vestido azul que ela usava e que tentei reproduzir. Lembro principalmente de suas mãos, de um certo jeito de pousar uma sobre a outra, os dedos em vírgula, descansando de ter cortado lenha, trabalhado na horta, alimentado as galinhas... Lembro e lembrando vejo... Nós dois sentados num tronco, entre as árvores, depenando passarinhos, as penas esvoaçando ao súbito vento, no ar fresco da manhã...

.A esculturinha não tem mais do que sete centímetros. Fiz durante uma exposição em Pádova. O dono da galeria me deu uma massa epoxi, chamada DAS, se não me engano, enquanto eu conversava com algum convidado. Peguei uma tampa de caneta bic e comecei a brincar, quase esquecido do que fazia. Ao final da conversa, o susto. Era minha avó, que havia morrido seis dias antes de minha viagem. Quem fez essa esculturinha, que nunca mostrei, foram as mãos de minha memória, auxiliadas por estas com que escrevo agora.

Anos depois, fui limpá-la do pó acumulado no ateliê. Não lembro com o que umideci o pano, se álcool, algum solvente ou água mesmo. Mas lembro que as linhas das comissuras da boca, da testa, do pescoço começaram a sumir. Fiquei desesperado, tentanto interromper o processo. O resultado é esse que você vê numa das fotos, uma série de microfios apareceu não sei de onde. E, ao contrário do que eu temia, a superfície do epoxi se assemelhou à pele de um velho. Novo susto. O de que o imprevisto é um remédio ao qual não deveria me negar nunca.

Quem sabe um dia eu ainda não funda o painel de cimento que hoje é apenas uma placa branca de isopor? Não tenho pressa. Seria como apressar o crescimento de um pé de araçá, ou o amadurecimento de um cacho de bananas. Bananas de estufa não cheiram bem sequer quando apodrecem.

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Alugo Palavras

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Dos sete desenhos para o livro Alugo Palavras, de Miguel Sanchces Neto, este foi para a capa. Usei bico de pena e pincel japonês, além de caneta branca. Ele ilustra/interpreta 0 poema da página 67, que transcrevo aqui:
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UM RETRATO
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Teve o poeta
que atolar suas raízes
nas profundezas da terra
árida da poesia
e podar seus galhos
mais verdes
sorver a umidade pouca
penhorar as folhas ao outono
e concentrar sua força
para segurar
um fruto mirrado
no ramo inatingível.
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Miguel Sanches Neto
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Alfredo Volpi

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Trago pra cá mais um desenho da série Retratos. Fiz esse Volpi em 1989, mas o original se perdeu, ou anda por aí, onde não sei. Fotografei uma fotocópia guardada numa caixa de desenhos antigos. Sob os olhos, no original, as bandeirinhas eram coloridas. Usei nanquim, com bico de pena.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

1ª EXPO DE ATELIÊ

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Convido amigos, clientes e público de um modo geral para minha primeira EXPOSIÇÃO DE ATELIÊ em Curitiba. Em 2001 fiz o mesmo em Montreal e fiquei encantado com o resultado, com os encontros, com as trocas. Abro as portas do ateliê em pleno funcionamento, lá estão as telas em andamento, os esboços, os projetos e as obras acabadas, em vidro, cimento, óleo, acrílica... a maioria destas com 30% de desconto.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

piano

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Este é um dos quase 20 estudos de piano para um painel de cimento e vidro sobre o mesmo tema, encomenda de Robert Amorim. O painel e os estudos serão expostos na inauguração do Piano Radamés Gnattali, na sala Gebran Sabbag, no Beto Batata do alto da XV, no início de janeiro.
Este trabalho foi feito feito com óleo sobre mdf, mais colagem com fotografias de minha série Variações Negras, nanquim preto e vermelho e lápis de cor. Cada vez mais misturo óleo e materiais gráficos, mesmo em telas de grande formato.
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Com esses desenhos e telas dou continuidade à minha série de trabalhos sobre instrumentos musicais. Cada instrumento é tema de dezenas de variações. Ela foi me ocorrendo aos poucos, especialmente depois que instalei um enorme painel de vidro e cimento em uma residência da cidade, em 2005, incluídos alguns jatos de areia sobre vidro. No futuro, gostaria de reunir esses conjuntos em um livro, inicialmente dedicado a instrumentos de corda.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Grafismo sobre tela

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CRÍTICA/Artes Plásticas e Literatura

 

GAZETA DO POVO Cristovão Tezza
Visita a Carlos Dala Stella
Publicado em 03/05/2011

Curitibano jamais visita alguém sem avisar antes, uma regra que vale tanto para os vizinhos de prédio quanto para os amigos longínquos. O resultado é que vamos nos encapsulando num conforto sem riscos, de emoções cuidadosamente controladas. Pois na semana passada saí de casa seguindo a aventura geográfica que percorro duas vezes por semana e que me tira do miolo da cidade para os confins de São João, nos limites de Curitiba.
Ao espichar o mapa do GPS, que resolveu minha tradicional incapacidade de orientação topográfica, percebi que duas quadras adiante não existia mais nada – o mundo acabava súbito em 120 metros, conforme informava a telinha falante. Temeroso daquele vazio, fiz a volta e digitei “Toaldo Túlio”, bairro de Santa Felicidade, segunda parte da viagem, para onde avancei por atalhos até reencontrar, depois de quase um ano, três e-mails e um aviso por telefone, meu amigo Carlos Dala Stella, que conheci bem antes de ele se tornar o artista plástico que é hoje. Começamos juntos um mestrado de Letras, nos anos 1980, e dali ele enveredou para a pintura, mas sem jamais perder o contato com a literatura, o que é visível em seu trabalho.
Em poucos minutos, atravessando um portão, passei da agitação dos carros para um corredor inesperado e tranquilo de araucárias, uma pequena chácara encravada e protegida no bairro, com um cachorro, pássaros, verde em toda parte, o céu cortado de copas de árvores, um breve frio de outono. No meio de tudo, Dala Stella ergueu seu ateliê, um espaço a um tempo discreto e amplo, com dois andares abertos e vazados de luz por altas faixas de vidro. Enquanto ele fotografava alguns desenhos e bicos de pena seus que estavam comigo, e que farão parte de um novo projeto que está criando, perambulei pelo ateliê admirando os quadros expostos e relembrando sua arte.
Um ateliê de pintura é sempre um espaço que me agrada muito, uma síntese física de um modo pessoal de ver o mundo, pela via da imagem, do traço, da combinação de formas e cores, como alguém que vive dentro de sua própria obra. Posso sentir essa ligação também na literatura, mas o texto nunca se deixa ver completamente (daí porque um escritório de escritor em geral diz pouco), enquanto a pintura, na sua apreensão instantânea, escancara-se ao olhar. O ateliê do Carlos é ele inteiro, em cada detalhe. Surpreende no seu trabalho – que eu revia com prazer, para onde quer que olhasse – o domínio de muitas técnicas, dos retratos a lápis e bico de pena (ele é um desenhista refinado), passando pelos recortes em cartão com seus efeitos de luz e sombra, aos impactantes murais em tela, concreto ou vidro. Sobre a mesa maior, folheei uma coleção de cadernos, ou diários, em que poesia e desenho se alternam página a página.
Na despedida, ainda ganhei de presente uns dois quilos de pinhão colhidos na hora. Uma visita maravilhosa.

CIMENTAIS

Manuel da Costa Pinto
Editor da revista CULT/Catálogo

Num momento em que a arte contemporânea vive entre as alternativas excludentes da tela e das instalações, como se pôde ver nas últimas Bienais de São Paulo, a exposição CIMENTAIS, de Carlos Dala Stella, surge como uma espécie rara de reflexão sobre as possibilidades expressivas da oscilação entre o plano e o tridimensional.

Sem deixar de ter um valor estético apreensível pela instantaneidade do olhar, os painéis de Dala Stella poderiam ser definidos com um exercício de constrição formal, em que o artista cria limites, regras estritas a partir das quais organiza o caos da criação. Daí o progressivo e lento percurso de suas figuras, que vão saltando dos relevos dos painéis até ganharem a dimensão espacial da escultura.

Abdicando de optar por formas puras, Dala Stella consegue criar, nesta seqüência de obras, um efeito narrativo, que conduz da aridez plana do cimento ( material predominante dos painéis) à opulência corpórea de suas personagens. Some-se a isso o aparato didático que cerca cada painel (esboço e textos que precederam a concepção final de cada um) e teremos a sua filosofia da composição.

A referência à literatura não é gratuita. Afinal, esse artista que faz sua primeira exposição individual é também poeta, o que ajuda a explicar aquela idéia de constrição que norteia o rigor estilístico de suas obras. Assim como escritores tão diferentes quanto Poe, Borges ou Calvino que perceberam a arbitrariedade necessária da forma, criando para si cânones que pressupõem uma possibilidade de transgressão, o poeta Carlos Dala Stella forjou seu próprio universo de representações, um universo que se vai diluindo na espacialização dos painéis, ou pelos simulacros de si mesmos (como no ilusionismo irônico do isopor pintado, que reproduz o efeito visual do concreto, abolindo a oposição entre peso e leveza).

As obras de Carlos Dala Stella estavam até agora dispersas em reproduções de jornais e capas de livros. Mas CIMENTAIS não é apenas a oportunidade de presenciar o diálogo existente entre as suas diversas criações; a exposição permite também identificar suas referências estéticas, como Poty e os grandes artistas catalãos (sobretudo Miró), que têm presença óbvia na alegria mediterrânea das obras desse poeta da matéria.

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CIMENTAIS

Cristóvão Tezza / escritor

Há muito o que admirar na arte de Dala Stella. O princípio é esse trânsito tranqüilo entre a figura e a (quase) abstração, que vai se desenhando com o poder da intuição e o domínio técnico dos materiais que, falar nisso, vão do cimento armado ao papel de seda, com um à vontade que espanta. Nele, mesmo o mais fragmentário ser no nanquim, no vidro, na cor já nasce inteiro e firme, claríssimo nos limites do espaço, sempre bom de ver. Mas há outra admiração minha: é a paixão de Dala Stella pela literatura, que sem retórica, parece criar de longe, como quem não quer nada, a estranha consistência de suas formas, pondo de mãos dadas tanto a prosa (a linguagem dos outros) quanto a poesia (a linguagem dele) tudo isso desenhado, e às vezes por escrito. E por essas e outras que considero um privilégio tê-lo na capa dos meus livros.

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DALA STELLA NO CONCRETO / fragmentos

Paulo Venturelli
Escritor e Professor de Literatura na UFPR

No deserto em que Dala Stella se coloca, ele tem qualquer coisa de oriental. Rejeita o barulho, rejeita a proliferação desordenada de investidas ocas, cujo brilho é sempre fátuo. E entra numa espécie de essencialidade, fruto de um satori, de uma iluminação que é seu modo de flagrar cada degrau do universo. Pensemos num menino sobre o cabo da vassoura: cavalo. Pensemos numa menina com um toco entre panos que seus braços embalam: filho/boneca. Carlos suga desses instantes a graça de uma captação que vira toque de mutação: a pincelada faz voar, o recorte reatualiza a visão que vem dos lugares escondidos de Santa Felicidade. Por isso seu trabalho tem economia de formas, é uma arte que rejeita qualquer retórica, porque assume a pureza da linha e da cor, estilizando seus encantos pela vida.
Ele quer, antes de mais nada, o ludismo. Seu ludismo não quer dizer inconseqüência, ou falta de seriedade, ou descompromisso. Seu ludismo é a porta que ele abre para apascentar-se de novidades e forrar seu ateliê com a eletricidade de cores e volumes que vão registrando uma história, um caminho. E tudo isso é evidente quando encaro um material básico em seu trabalho: o cimento. De aparência fria, desumana, com função só utilitarista, Carlos consegue transformá-lo em seiva quente, matéria pulsante, humana, sobretudo humana. Na última vez em que estive em sua casa, conheci outra área que ele está explorando: cimento com vidro. As duas linguagens parecem se repelir, parecem guardar em si um curto-circuito de anulação. Mas o artista está sempre empenhado na busca, e nela já se ergue nova linguagem, material inovador. Ele retira dos dois a incrível poesia da leveza, o total lirismo da transparência. É neste instante, mais que nunca, que chego a perceber como a palavra poética nele transforma-se em matéria tátil, visual. Seus objetos têm muito disso: convidam ao toque, insistem numa interação que é de todos os sentidos, não só do visual.
Cada quadro, cada desenho, escultura ou montagem ou colagem fustiga nossos subterrâneos e nos leva a um outro patamar da compreensão. Para fruir tais texturas, é preciso mais que a esfera mental. É preciso ainda ir além, ir à poesia no concreto e na tinta e ver através de, por meio de. Germina em cada detalhe a explosão do que se pode transfigurar. E não é milagre ou misticismo ou inspiração. Não, é trabalho, um trabalho que de repente revela a paz que há no barulho, a calmaria que se estende sob o sol, a concha profundamente quieta, enquanto o oceano se parte em mil. Nada de tormentos descabelados, nada de suar sangue, nada de prazer de explodir os ossos, puro vazio. O que Dala Stella está a oferecer é a construção que segue um roteiro de harmonias, sem alarde, e muitas vezes, harmonias surpreendentes, porque não se esperava encontrá-las logo ali, no vidro, no cimento, no isopor, no recorte de revista, naquele tom de cor. Notem bem: é por isso que ele trabalha com olhos e genitálias. Estas fecundam, aqueles abrem gigantescos parênteses no meio da pletora do mundo e descondicionam nossas vistas cansadas, para que possamos entender a vida como algo integralmente realizável, viável, sobretudo na criação. Carlos navega num mar de pequenas descobertas que se agigantam.
Adoro passar uma tarde em sua casa, chafurdar em sua mesa, onde encontro Montaigne, Cioran, Kafka encavalados em Matisse, Frida Kahlo, Picasso. Na meio luz da biblioteca, ou na claridade do ateliê, tudo se abraça a tudo, tudo insemina tudo e saio de lá sempre grávido de novas luzes, experimentando uma insuportável vontade de bater asas. Dala Stella vive em regime de concentração. Num centímetro quadrado faz o mundo, recria o dia, refaz a estrada. Uma tesoura e um jornal, e, pronto, lá vem coisa surpreendente, chaves para novas investidas. Ao seu redor, a gente vê que o sonho de verdade comanda a alma, não como embriaguez, e sim como via de acesso a tudo o que podemos ter de real: recriar cada instante


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Forte de Copacabana + Igreja de Mariana


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O que aconteceu em Minas Gerais, no século XVIII, foi um milagre, um milagre essencialmente preto e mulato. Essa janela, de uma igreja de Mariana, com sua luz quase obscura, é de uma beleza arquitetônico que nem os dourados de Ouro Preto ofuscam. Os silêncios desses vazios estão carregados de sonhos, sonhos de salvação, sonhos de poder, sonhos de liberdade, sonhos de imaginação... Dessa profusão caótica de sonhos, fez-se o milagre das Minas Gerais. Belo e perturbador como se a vida explodisse a nossa frente, em todas as direções.
.or

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um Erro Emocional

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Quinta-feira, dia 21, Cristovão Tezza lança seu novo romance na Livrarias Curitiba do Estação. Dono de um estilo tenso e altamente reflexivo, Cristovão investiga de forma cada vez mais contundente o conflito moral que subjaz às relações humanas, diga ele respeito à paternidade, à identidade artística ou ao amor. Vejo nele um moralista, não porque prescreva ou vigie a moralidade corrente, mas porque, ao contrário, permanentemente a questiona e desafia, nas situações romanescas mais diversas, analisando-a com uma lucidez que só os vacinados contra o lugar-comum possuem.

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sombras de Santa Felicidade à noite





 






Não sei se penso melhor caminhando, certamente penso mais arejado. O encadeamento entre os pensamentos parece mais fluido, seus elos mais esgarçados. Como ocorre com as nuvens, os pensamentos de quem caminha vão mudando ao sabor do vento, e quando se vê o que se tem nas mãos não é mais um pavão, mas um bizonte. Esse fluxo bastante aleatório do pensamento, quando caminho, ele me põe num estado de displicência alerta, boa para catar imagens com a câmera. Especialmente quando as imagens pertencem a esse mundo tênue das sombras, fluidas elas também, incorpóreas e sutis.
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Lembro de minha nona Isa varrendo o pátio de chão batido de minha casa de infância. Varrendo, os pensamentos se concatenam sob certo rigor, como se entre a geometria das vassouradas cobrindo a área do pátio e o pensamento se estabelecesse uma relação lógica, com princípio, meio e fim. Varrendo, tenho a impressão que meus pensamentos cumprem uma direção e chegam a fazer certo sentido. Mas quem garante que o mesmo se dava com ela? Lembro que ela varria com o esboço de um sorriso nos lábios. E sorrisos assim são insondáveis. Nenhuma gargalhada se compara ao infinito dos meio-sorrisos, discretos e íntimos.
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sonhar pontes


Só há uma forma de romper o exílio da subjetividade, e não é para fora, mas para dentro, onde os limites camuflam os grandes precipícios, intranspostos ainda. Ah, a alegria de sonhar pontes!
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sábado, 25 de setembro de 2010

A abstração vívida de uma linha

Em 1988 Poty Lazzaroto fez uma série de sete desenhos para um calendário encomendado pela Editora Hatier. Esses desenhos foram dedicados à obra de seis escritores brasileiros: Alcântara Machado, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Darcy Ribeiro, José Cândido de Carvalho e Gilberto Freire. A escolha desses autores foi do próprio Poty. Inicialmente ele pretendia dedicar um desenho à obra de Dalton Trevisan, que desautorizou educadamente sua inclusão.
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Abrindo o calendário, um sétimo desenho representava um tinteiro, a tampa meio levantada. Dentro dele, personagens de cada um dos romancistas estão mergulhados em sua própria realidade ficcional, alheios uns aos outros. O que os une é o fundo preto, representativo da tinta nanquim, e, naturalmente, o fato de estarem todos confinados no tinteiro. Cabe ao personagem de O Coronel e o Lobisomem a iniciativa de abrir a tampa e pôr a cabeça pra fora, esticando o braço com uma gaiola.
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Esse desenho-síntese ajuda a compreender algumas das particularidades da obra de Poty Lazzaroto. Além de sugerir uma leitura gráfica dos autores, ao aprisionar seus personagens no tinteiro Poty revela a gênese do seu próprio processo criativo. Transferidos do seu contexto literário para o tinteiro, contexto matricial do desenhista, esses personagens dão visibilidade ao momento anterior à criação, quando tudo parece se reduzir ao preto da tinta nanquim. Preto que, no entanto, já está habitado daquilo que anima a mente do artista.
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No caso de Poty, essa intencionalidade latente da tinta é tão grande que parece que desenhar é apenas uma tarefa da mão. É claro que isto não passa de ilusão. Mas ela diz bem de como nele boa parte da germinação se dava mentalmente, por isso ele trabalhava tanto. Assim como sua mão, sua mente não parava nunca.
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Para atingir a expressividade visível, por exemplo, no personagem de Lima Barreto colado à parede de vidro, os braços levantados como se inconformado com a prisão, assim como a dos outros personagens, Poty desenhava e redesenhava. Essa busca permanente de uma espécie particular de perfeição fica visível quando se atenta para o esboço desse desenho.

No verso da mesma folha de papel canson, o que agora vemos como um desenho preliminar representa os mesmos personagens, ainda de forma embrionária, ao lado de um pequeno tinteiro vazio. Olhando a ossatura a que se resume esse desenho é possível pressentir o instante em que ele intuiu que o universo representado devia ser contido pelo tinteiro, como se compreendesse que a presença metonímica do desenhista ao lado dos personagens ficasse enfraquecida. Era em torno deles que essa presença deveria se dar, enfeixando-os. A partir desse momento o desenho ganha em força emblemática. Não é mais da leitura visual das obras de alguns romancistas caros a Poty que se trata, mas da construção desvelada de sua própria obra.
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Mas a essa poderosa capacidade de agregar seu nome a obra ou autor interpretado visualmente, o desenho de Poty alia uma outra qualidade, sem a qual ele poderia ser reduzido a um mero ilustrador: a personalidade de seu traço.
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Se tomássemos o mesmo desenho que abre o calendário de 1989, reeditado em 1993, e o fôssemos decompondo, retirando dele um a um os personagens, de tal forma que o tinteiro vazio ficasse reduzido à linha irregular que inscreve seu contorno, ainda assim se poderia dizer que se trata de um autêntico Poty. Não que o contexto narrativo, muitas vezes criticável na obra do artista paranaense, não seja ele próprio em grande parte estruturado sobre a mesma linha que, isolada, deixa ver mais claramente sua particularidade incisiva.
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Mas seria preciso ir além, nesse processo de desconstrução, e apagar também a tampa do tinteiro, ficando apenas a linha que descreve seu contorno. Abstraídos os personagens e o próprio tinteiro, restaria a abstração vívida de uma linha curva no espaço branco do papel. É essa linha que guarda, mas também revela, de que matéria são feitos os desenhos de Poty Lazzaroto.
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Mais do que às tradicionais penas de metal, a qualidade nervosa de seu traço se deve ao fluxo particularíssimo de sua respiração. Por isso ele fazia questão de “corrigir” os traços que seu executor, Adoaldo Lenzi, reproduzia numa escala monumental, nos painéis de azulejo. Porque ele sabia que embora o executor zelasse pela integridade de sua identidade, era praticamente impossível manter, numa escala monumental, a qualidade de seu traço. Corrigi-los era um atenuante, já que ele próprio não se sentia disposto a fazer como fez Miró, por exemplo, no painel de cerâmica do prédio da Unesco em Paris, no qual o catalão trabalhou pessoalmente.
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Poty não só respirava de acordo com seu fluxo vital, como todo ser humano, mas desenhava engajando esse fluxo em seu traço.
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Texto publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quarteto de Cordas

Um desenho no máximo é um quarteto de cordas. Uma pintura é sempre uma orquestra. Mas quantas vezes as orquestras pecam pela grandiloquência, enquanto um quarteto pode armar a teia para a aranha universal - precisa e delicadamente.
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