quinta-feira, 29 de março de 2012

Da série Variações Negras


da série Variações Negras
óleo sobre tela
155x155cm


A série Variações Negras é composta de pouco mais de 50 telas, de diferentes formatos. A cor predominante é o preto, embora em algumas delas essa cor seja minoritária. As linhas compõem arranjos que se repetem, parcial ou integralmente em todo o conjunto. Esse eco de uma mesma linha melódica, mais a predominância do preto, é em grande parte o responsável pela unidade do conjunto.

O ponto inicial foi uma única colagem, que fui montando e desmontando, atrás de pequenas variações que revelassem o gene de uma mesma família. Fotografei cada uma dessas variações, revelei as fotos e passei a recortar agora cada uma das fotografias, movido pelo desejo de encontrar novas soluções que alargassem ainda mais o núcleo inicial. Cheguei mesmo a fotografar várias telas já pintadas e a partir dessas fotos formar novos híbridos, recortando e colando sempre. Para finalmente voltar à pintura.

Gosto de imaginar que o resultado se assemelha a uma obra arquitetônica monumental, cujo jogo de espelhamentos amplifica o espaço interior para além dos seus limites físicos. É nos vãos entre cada um dos elementos arquitetônicos que essas telas representam - mas também nos vãos em simulacro - que se esconde boa parte do significado do conjunto.

O arco também é bastante aberto do ponto de vista da representação, ora espraiando-se em variações de pura abstração da linha, ora passando pela figuração apenas sugerida, ora chegando a incorporar volumes e formas bem definidos. Tudo resultando do desejo, o que só mais tarde consegui formular, de dizer algo de um modo sinfônico, mantendo no entanto esse algo fora do alcance da narrativa, mesmo da narrativa alegórica.

Infelizmente nunca pude reunir os membros todos dessa família numa única exposição. Hoje eles se espalham por aí, anonimamente, mas continuam ligados pelo sangue.  


segunda-feira, 26 de março de 2012

diante do qualquer

                                                                          ao Mário Peixoto

Procuro, no gradativo das intimidades, uma pedra para pendurar meus sonhos, indiferente à deterioração que é, afinal, o prêmio do ser, indiferente à completa irremediável solidão onde nos vemos definhar, entregue, todo, ao tempo presente, o tempo de fermentar, diria eu, após melhor manusear a questão, como quem manuseia um pedaço de pinho, entregue, todo, à estrutura de um pequeno e cintilante momento de pausa – diante do qualquer – do à toa e banal, a caminho de descobrir o mundo, no anonimato do ser.

domingo, 25 de março de 2012

non mi mancano luci



Duas versões da mesma tela esboçada: gatos ainda, flores, janela e um nanopoema. E esse silêncio brando, cheio de ternura, que é em si pura afirmação.




domingo, 18 de março de 2012

quinta-feira, 15 de março de 2012

l'artiste peintre


do livro Nanquim (inédito)






Nessa série de desenhos, iniciada há vinte anos, retratei telas já pintadas, grafismos em serigrafia e alguns instrumentos de trabalho, como pincéis, ferramentas, mais brinquedos dos meninos, então crianças em meu então ateliê de casa. Os meninos cresceram, o ateliê é outro e outras são as telas, mas o conjunto não para de crescer. Nele mapeio o dia a dia do ateliê e exercito a linha - com o negro do nanquim - sempre a procura da cândida rosa.

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sábado, 10 de março de 2012

Venturelli, em andamento



Algumas telas têm que ficar pela metade, porque o essencial já se deu. Nunca percebo isso no ato, preciso de pelo menos um dia para compreender onde afinal cheguei. Esse dia às vezes vira um ano. A solução final ainda não está em mim, tenho que ter paciência e ficar bem atento. Distraidamente atento. Pode que a solução seja soparada inesperadamente pelo vento numa manhã qualquer do meu porvir.

É que tenho uma queda irreversível pelo desenho, pelas sucessivas camadas de carvão que vão se acumulando no algodão cru. Pode que seja um erro, que o melhor mesmo fosse seguir o fluxo do pincel em direção a sabe-se lá o quê. Mas seguir, concluindo de inequívoca conclusão a tela. E no entanto, o carvão diz o que seria uma pena cobrir com tinta.

Talvez o que esteja em jogo seja meu amor ancestral à melodia. Porque o desenho é melodia, enquanto a cor é harmonia. Quem me disse isso foi o Matias, certeiro, comentando a tela do cachorro. É que nesse momento de minha vida estou na divisa, cada vez mais sensível às harmonias, mais e mais entregue ao ócio das especulações - como se pode notar.

sexta-feira, 2 de março de 2012

o cão que te morde


o cão
óleo sobre tela
80x120cm

Depois de quase meio ano, terminei agora à tarde a tela do cachorro simbólico, com fundo vermelho-rosa coberto por uma membrana escamada branca. Embora deseje manter a pintura à superfície, faço tudo o que posso para torná-la densa, para que seu significado se dê no subsolo – onde nasce a obscura clareza dos iluminados por si mesmos. O que me importa é o sentido, o sentido denso de estar vivo, mas que ele se dê com uma certa ternura, ou pelo menos envolto em silêncio, esse silêncio misterioso que brota de alguns poemas e, com certa frequência, dos olhos daqueles com quem convivemos mais intimamente. À voluptuosidade da superfície, corresponder um subsolo ainda mais rico, cheio de verdades pressentidas, mas tão reais como esse sonho azul de céu que tenho agora sobre a cabeça, neste fim de tarde de 1º de março do ano de dois mil e doze.

No meu caso, as soluções plásticas só fazem sentido quando ancoradas no pressentimento maior das alegrias e agruras de estar vivo. Cada vez mais pinto o que pressinto.