sábado, 28 de maio de 2011

+ 3 da série Sombras




O Caçador de Sombras


Grades, portões e balaustres são tão bons de desenhar, de pintar, como sabe qualquer pintor de final de semana. São bons também de fotografar, mas disso poucos fotógrafos amadores sabem. Recortar suas sombras geométricas abstratizadas é quase uma brincadeira para o olhar, uma brincadeira em que faltam peças, em que o tabuleiro está apenas sugerido e os jogadores fugiram. É dessa ausência que minhas fotos de sombras são feitas. E a cidade está cheia delas. Mesmo assim o contrastado fugaz que se repete todos os dias de sol passa desapercebido. A não ser que sejamos um caçador de sombras.
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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Abstração (a partir de bata de Caetano Veloso)



acrílica sobre tela
110x170cm
R$ 8.300,00

Essa tela nasceu de uma colagem, como tantas vezes antes e depois. Parti de um recorte da bata que Caetano usou lá no início da carreira. Devo ter recortado de uma revista, não lembro. A tela é antiga, mas acabou ficando comigo, por sorte. Na época pintei várias telas com referências visuais cifradas a artistas que admiro. Essa é uma dela. Há outras por aí. Acho que as pessoas nem desconfiam.


terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre os Autorretratos



Lucas, sua pergunta ficou martelando. Acho que não respondi direito, tento ainda uma vez. Você foi tão sincero e direto, obrigado.

Fazer um autorretrato não impõe dificuldade alguma de ordem psicológica. Difícil é desenhar um rosto alheio, os outros têm expectativas que nenhum pintor consegue satisfazer completamente. Nós pintores não temos expectativa alguma. Tomamos nosso rosto como quem desenha um pêssego, uma garrafa, o gradil do portão. É como desenhar um prato com frutas, já disse Cézanne. No final das contas, se estivermos certos, tudo revelará nossa paisagem interior, como demonstraram tão poeticamente os pintores chineses. Se estivermos errados, estaremos errados para nunca mais, para fora do tempo.

Quando nos desenhamos, emprestamos nossas mãos e olhos para que a velha pergunta seja feita ainda uma vez: quem somos, de onde viemos e para onde estamos indo? Qual o sentido disso tudo, dessa sucessão enganosamente infindável de dias e meses e anos? Os autorretratos são nossa resposta, satisfatória apenas no estrito decurso da pintura ou do desenho. Depois, voltamos a não saber nada. Os autorretratos são lacunas em que a pergunta é mais aguda. Nem antes, nem depois ficamos sabendo direito o que fizemos da vida e o que ela fez conosco. Brincamos de brincar, nos melhores momentos.

Mas há um certo prazer obsessivo em retomar dezenas de vezes o próprio rosto. Rembrandt fez mais de 40 autorretratos. No de1665, quatro anos antes de morrer, ele aparece rindo, como quem ri nos estertores do último ato. Esse riso in extremis, de si mesmo e do mundo, atravessa os séculos e nos atinge como uma bomba. Mais veemente do que o sorriso discreto da Mona Lisa, seu enigma só pode ser decifrado no subsolo de nós mesmos, no reino escuro das raízes, bem longe das palavras.  

Tudo bem somado, os autorretratos são a cozinha da alma do pintor. A menos que ele se pavoneie, pode-se meter o nariz na fresta da porta e sentir o aroma do manjar, ou da ração, com que ele se alimenta quando está realmente só.  

domingo, 22 de maio de 2011

3 autorretratos

caneta de tinta permanente sobre tela serigráfica



spray de grafite sobre azulejo




conté no verso de uma tela
 

Solidão em Rede

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A solidão resulta cada vez mais de uma vontade individual, que tem de ser tanto mais forte quanto maior o fluxo ininterrupto dos conteúdos e atividades globais, exatamente o contrário do que ocorria num passado não muito distante. As distâncias, o deslocamento moroso, a circulação restrita de livros, a natureza mesma da subsistência, quase tudo nos constrangia à solidão. Era necessário um grande esforço para abrir janelas nessa solidão, para enxergarmos apenas uma parcela ínfima da paisagem humana, que frequentemente parecia habitar regiões recônditas e inalcançáveis.

O que ocorre hoje é o contrário, tudo conspira para a socialização. Há um consenso subentendido de que a solidão é insuportável, de que é preciso mobiliá-la. E há algum tempo a peça principal desse mobiliário são as telas. Começou com o cinema, a TV, até desembocar no computador, no celular, no iPad, no palm top... Se por algum motivo esse sistema de transmissão de dados e imagens entrasse em colapso, o pânico se generalizaria de imediato. O pânico de ter de ficar só consigo mesmo, desconectado do mundo, como se o mundo existisse preponderantemente via tela do computador ou da TV. Quando é evidente que esse tele-mundinho não se compara à riqueza do mundo que nos vai dentro, desde que desejemos e tenhamos a coragem de explorá-lo, ou do mundo que se vê pela janela de casa, more-se em qualquer beco de qualquer cidade do planeta.

Mas parece mesmo que ficar só não exerce mais nenhum atrativo sobre o homem. É patética essa pseudo-solidão conectada, esse desacompanhamento coletivo em rede. Teria a solidão individual sido suplantada pelo espelhamento de si mesma em rede? Seria assim mais fácil suportá-la, menos traumático? Fugindo da solidão individual estaríamos constituindo uma tele-solidão coletiva, alimentada pelo fluxo ininterrupto de eventos que nos chegam como realidade meramente virtual?

Várias vezes penso que esse desejo de assistir ao mundo, de saber tudo o que está acontecendo em todos os lugares, de divulgar aos quatro ventos o evento que promovemos ou de que participamos, de possuir mais e mais amigos virtuais, não é senão a reedição rebaixada do velho desejo de voar que tínhamos quando criança, esse desejo de ver tudo e todos simultaneamente, lá embaixo, de abraçar o mundo com os olhos. Nossa eterna ânsia de absoluto. Ingênua então, mas fecunda, enquanto que a ânsia de agora não parece senão um pálido reflexo daquela, pobre e condenada quase sempre ao circuito fechado do mundo virtual.
 

sábado, 21 de maio de 2011

E. M. Cioran 2

Traduzo mais um excerto do filósofo romeno Cioran, agora retirado da entrevista concedida a Luis Jorge Jalfen, em 1982. E não consigo deixar de pensar nesse mar de telas que simultaneamente nos conectam e nos isolam uns dos outros.

SOLIDÃO

A catástrofe, para o homem, é que ele não consegue ficar sozinho. Não há sequer uma pessoa que consiga ficar só consigo mesma. Atualmente, todos os que deviam viver consigo mesmos se apressam em ligar a televisão ou o rádio. Acredito que se um governo acabasse com o televisor, os homens se matariam uns aos outros nas ruas, porque o silêncio os aterrorizaria. Antigamente, as pessoas ficavam muito mais tempo consigo mesmas, durante dias e meses, mas hoje isso não é mais possível. É por isso que se pode dizer que a catástrofe está aí, que nós vivemos catastroficamente.  

SOLITUDE

La catastrophe, pour l’homme, vient du fait qu’il ne peut rester seul. Il n’y a pas une seule personne qui puisse rester seule avec elle-même. Actuellement, tous ceux qui devraient vivre avec eux-même s’empressent d’allumer le téléviseur ou la radio. Je crois que si un gouvernement supprimait la télévision, les hommes s’entre-tueraient dans la rue, parce que le silence les terroriserait. Dans un lointain passé, les gens demeuraient beaucoup plus en contact avec eux-mêmes, pendant des jours et des mois, mais à présent, ce n’est plus possible. C’est pour cela que l’on peut dire que la catastrophe s’est produite, que nous vivons catastrophiquement.

Tradução: Carlos Dala Stella

sexta-feira, 20 de maio de 2011

E. M. Cioran

Desde 2003 leio sistematicamente o romeno Emil Cioran. Apesar de toda sua amargura e niilismo, frequentemente me pego rindo dos meandros de seu pensamento, como me ocorre quando leio Kafka. Há algo de cômico em sua tragicidade, que fica ainda mais evidente em seu uso constrito da língua francesa. Seus aforismos parecem se ater somente ao produto, à soma final, à conclusão, o que vai de par com certa agudeza no uso da linguagem..

BACH

Sem Bach, Deus seria menor. Sem Bach, Deus seria um tipo de terceira grandeza. Bach é a única coisa que dá a impressão de que o universo não é falho. Tudo nele é profundo, real, sem teatro. Não dá pra suportar Liszt depois de Bach. Se há um absoluto, é Bach. [...] Sem Bach, eu seria um niilista completo.

BACH

Sans Bach, Dieu serait diminué. Sans Bach, Dieu serait un type de troisième ordre. Bach et la seule chose qui vous donne l’impression que l’univers n’est pas raté. Tout y est profond, réel, sans théâtre. On ne peut supporter Liszt après Bach. S’il y a un absolu, c’est Bach. [...] Sans Bach, je serais un nihiliste absolu.

Avec Benjamin Ivry, 1989

Tradução: Carlos Dala Stella

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Uma canoa para Kandinsky



 UMA CANOA PARA KANDINSKY
acrílica sobre tela sobre isopor
47x100cm

Primeiro veio a colagem, depois a tela. Estiquei o algodão sobre uma placa de isopor. O título nasceu junto com a colagem. Embora há muito não veja nem leia Vassily Kandinsky, ele está lá, na origem de meus primeiros trabalhos, fecundo e luminoso como sempre, articulando sua máquina de sonhos com linhas, círculos, triângulos e o infinito amarelo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

mãe da minha fome




mãe da minha fome
mãos de minha alma
teus pães alimentam
os sonhos dos meninos
e a alegria do homen


domingo, 15 de maio de 2011

Colagem

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Sobre a Maturação
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As colagens geralmente não me custam muito esforço, o que elas precisam é de delicadeza e algum silêncio. Com muito cuidado e com alguma dose de acaso, elas se dão às mãos e aos olhos, quase sempre depois de esboçar um conjunto de sutis variações. Nada disso leva muito tempo.

Mas depois passo dias, às vezes semanas e até anos, desenhando a partir delas, experimentando suas linhas, suas cores, não importa com que material, escrevendo sobre elas. Até que de alguma forma elas ganhem sentido, simbólico até certo ponto. Preciso que elas guardem sua natureza gráfica até o último estágio, numa tela, num jato de areia sobre o vidro ou no cimento. Nada garante que o trabalho que resulta dessa ponta represente algum progresso em relação ao início do processo. Nem o sentido que procuro precisa ser explicitado, basta que ele exista de forma latente.

Penso seguidamente nesses lapsos de tempo de que preciso para conviver com um primeiro esboço, com uma colagem crua ainda, com uma tela apenas iniciada. E me pergunto, perdendo de vista a realidade física do trabalho, por quê? Será que os sentidos do mundo só me chegam com vagar, quando chegam? Será preguiça? Ou falta de ímpeto para superar meus sem sentidos íntimos, ou mesmo certo prazer de dilatar no tempo esse vazio? O que acontece é que desço a correnteza do único rio que passa pela minha aldeia.
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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Cristovão Tezza

Em 2003, fiz uma série de retratos de Cristovão Tezza, para o que seria seu site, presente de aniversário de um grupo de amigos. Posto aqui as variações quase completas. Mais um desenho do Cristovão cozinheiro, enviado como cartão postal, quando ele estava fora do país.











sábado, 7 de maio de 2011

A Ditadura do Social

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Só são levados em consideração, hoje, os conteúdos socialmente constituídos, ou seja, formulados de prévio acordo com a sociedade. O indivíduo mesmo, por mais emancipado que seja, só se torna visível a partir do momento em que passa a fazer parte da imensa rede social, formatada mais e mais pela internet.

Não contribuir com a exploração pública de sua identidade pela rede significa descender ao submundo da invisibilidade, vala comum também ela prevista, ainda que a contragosto, por esse novo complexo social. Mas se antes a invisibilidade afetava o sujeito, cuja imagem de alguma forma tinha sido constituída e negada pelo círculo social, por mais estreito que este fosse, agora ela afeta a sombra futura desse sujeito. Mas paradoxalmente afeta também aquele que provavelmente nunca chegará a sê-lo, embora poste todos os dias no facebook, no twitter, no blog...

O socorro da margem não existe mais, assim como a condenação ao reino escuro das idiossincrasias, relegados ao jurássico século XX. Tudo pretende estar previsto no quadro formatado pelos gestores das redes, não só o que é, mas especialmente aquilo que está por vir.

Pobre de nós, condenados às miríades do presente, herdeiros de um passado de que sentimos falta, nós que temos pudor, que zelamos pela individualidade, mesmo que nos digam que ela não vale grande coisa, que não sabemos o que fazer dela a maior parte do tempo, e que estamos bem assim, mesmo que estejamos mal. Pobre de nós que não queremos fazer parte de nenhum conglomerado, de nenhuma associação, aqueles que não se conformam às redes, às cercas, às grades. Aqueles para quem a economia nunca é criativa e o intangível existe desde sempre, como o ar que respiramos. Pobre de nós que preferimos os amigos mortos aos amigos virtuais, que vivemos de encontros e desencontros presenciais, nós para quem o vento no rosto é o paraíso, ou um temporal se armando.
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sábado, 30 de abril de 2011

O Anjo Rouco, de Paulo Venturelli



Imperdível o lançamento do livro O Anjo Rouco, de Paulo Venturelli, no próximo sábado, dia 07 de maio, às 11h, no Paço da Liberdade. Imperdível porque essa nova edição está linda. Mas principalmente porque Venturelli é um escritor em que a prosa sempre está de mãos dadas com a poesia.

Há um tom lírico em cada linha que ele escreve, uma docilidade no uso das palavras como se ele estivesse nos lembrando a todo momento que não podemos nos fiar na razão, que só é possível viver poeticamente. Há sempre um mistério prestes a se revelar, sugerido pelo vento, por um desejo contido, pelo olhar de um menino, por um poço fechado. Um mistério que se revela já nesse uso tátil da palavra, consciente da riqueza subjetiva que ela pode conter. Venturelli escreve como se tocasse outro corpo, e toca.

A apresentação do livro, escrita por Nelson de Oliveira, termina dizendo que "o Brasil inteiro precisa urgentemente descobrir este escritor." Urgência, essa é a palavra, para que não se perca a oportunidade de usufruir o quanto antes de um talento cuja sensibilidade torna afetivo tudo o que toca.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Sobre o fim das distâncias e a delicadeza

O encurtamento drástico da distância começou com o automóvel, os trens e os aviões, até chegar à sua completa abolição com a internet e as redes sociais. Paradoxalmente, nunca estivemos tão distantes uns dos outros, nunca a delicadeza mascarou tantos fins.

O que liga duas pessoas são os meandros, as volutas, a sinuosidade da curva, nunca a linha reta. A linha reta abole a distância entre dois pontos, não entre duas pessoas. E a delicadeza vem de graça, dá flores mesmo quando não dá nada.
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Francis Bacon




Francis Bacon corta quando pinta, mas corta ainda mais quando fala. Como uma faca de açougueiro superafiada, ele corta a realidade, separa o que lhe interessa, nem um naco a mais, e expõem sem hesitação sobre a mesa o que pensa, com uma brusquidão fatual de quem se rende à verdade da carne, recém dessossada aos olhos do interlocutor. Seu olhar de viés aguça ainda mais o fio da lâmina, tanto mais verdadeira quanto mais impiedosa. Mas sua violência é a violência de boa parte do mundo. Se não nos consola, nem ele desejaria isso, ela nos mantém vivos, dolorosamente vivos.
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quinta-feira, 28 de abril de 2011

O trânsito das relações

Não sei se desfoco quando vejo, é possível, mas o que vejo de todos os lados são relações insatisfeitas, relações que só se veem como bem-sucedidas quando se desdobram em outras relações, como se o amor já não fosse suficiente. O que importa, hoje, é transitar entre as relações, fazendo com que uma desemboque em outra, e esta em outra ainda e assim sucessivamente.

O estado eufórico desse trânsito parece estar substituindo o amor. Não há mais tempo para um sentimento que exige tanta dedicação e cuidado com o mesmo, com o único. A diversidade parece tão mais excitante, a mídia toda repete esse mote. Engenhosamente inventamos todos os dias novas razões para adiar o amor, comprazidos que estamos nessa avalanche de relações turvas, chegando mesmo a explorar matizes cada vez mais sutis da infidelidade - ao outro e a nós mesmos.
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O xadrez da alegria



O xadrez da alegria
acrílica sobre tela
250x110cm
R$ 8.200,00

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O elogio da ignorância inteirada

Mais do que nunca, a ordem do dia é consumir tudo em todas as direções, insaciavelmente e sem outro critério que não seja a novidade, o lançamento. Consumir e descartar. Isso vale para roupas, filmes, livros, música, roteiros de viagem...

O que espanta é a abundância não só dessa fome insaciável, como daquilo que compõe o cardápio: o sempre renovado velho kitsch, a mesma gama colorida de lugares comuns, o mesmo circo pop, armado na ante-sala da reflexão.

O resultado é o elogio - em tempo cada vez mais próximo do real - da ignorância inteirada, proclamado como um mantra, nas telas de tevê, de cinema, dos computadores, dos celulares, palm tops, ipads...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Homem-Ovo contém Laocoonte


 Homem-ovo contém Laocoonte
acrílica sobre tela
120x90cm

espanto 2

O que espanta é o conforto com a distância, ainda que virtualmente encurtada, a pobreza dessa solidão conectada em rede e a inconsciência da temporalidade. Parece que a pele não é mais necessária - muito menos o toque - nem faz mais sentido temer a morte.
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da série Sombras



segunda-feira, 25 de abril de 2011

Estupidez e oportunismo

Se as ações exageradamente calculadas sempre têm algo de estúpido, imagine-se hoje o mar de estupidez de tantos projetos culturais minuciosa e matematicamente planejados, seguindo tão servilmente as estratégias prescritas, seja pelos editais de cultura das empresas, seja pelas leis de incentivo.

Cada vez mais os produtos culturais nascem de um oportunismo, da possibilidade de serem patrocinados e não de uma necessidade premente - que dificilmente se enquadra num regulamento e satisfaz a ânsia, legítima embora quase sempre simplória, da contrapartida social.
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Variações Negras


da série Variações Negras
óleo sobre tela
100x100cm
R$ 3.700,00

sábado, 23 de abril de 2011

O negócio da vida privada

Toda vez que leio ou ouço algo sobre as redes sociais, não consigo deixar de pensar que elas representam um passo decisivo na transformação da vida íntima num negócio, o negócio da vida privada. E que a paga desse negócio custa os olhos da alma.
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Óscar Hahn 5

Apresento aqui mais uma tradução do poeta chileno Óscar Hahn, que sigo lendo desde que estive no Chile no início do ano.

Na entrevista que serve de introdução ao livro Archivo expliatorio, poesías completas (1961-2009), ele conta que descobriu a poesia não em sala de aula, nem através um professor, mas ao acaso, na biblioteca da escola, ao folhear um volume de poemas medievais sobre a morte. Conta ainda que tem gravado na memória desde muito pequeno a imagem da mãe, de óculos, lendo um livro atrás do outro.  


VAZIOS QUE RESPIRAM


Alguém dormia a meu lado
mas se não havia ninguém
sentia sua respiração ritmada
mas se havia só o espaço vazio
Ignoro se era homem ou mulher
ou sei lá que criatura
Só sei que respirava a meu lado

O mundo está cheio
de vazios que respiram
que  espreitam,  palpitam
O que respiram esses vazios?
Oxigênio não é, porque o oxigênio serve
para encher de ar os pulmões
e eles não têm pulmões
não têm boca nem fossas nasais
nem parte alguma do corpo

Deitado ao meu lado
o vazio de agora
se vira e revira, inquieto
como se lutasse para não sufocar
Esse é o melhor momento para suplicar
que os vazios não nos abandonem
que continuem sempre a nosso lado
respirando



VACÍOS QUE RESPIRAN


Sentí que alguien dormía a mi lado
pero no había nadie
sentí su respiración acompasada
pero había un espacio vacío
Ignoro si era hombre o mujer
o bestezuela o no sé qué
Sólo sé que respiraba a mi lado

El mundo está lleno
de vacíos que respiran
que observan que palpitan
¿Qué respirarán estos vacíos?
No es oxígeno porque el oxígeno sirve
para llenar de aire los pulmones
no ellos no tienen pulmones
no tienen boca ni fosas nasales
ni parte alguna del cuerpo

Ahora el vacío
que está tendido junto a mi
se da vueltas inquieto
como si luchara con la asfixia
Y es entonces cuando hay que rogar
porque  los vacíos no nos abandonen
porque sigan siempre a nuestro lado
respirando

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Robert Motherwell


Dos pintores norte-americanos, Motherwell  é um dos que mais admiro, não só por suas abstrações informais cheias de vigor e beleza, mas também pela ressonância filosófica que misteriosamente emana delas.

O sentido que algumas obras fazem se deve em boa parte a esse eco, a esse isto que de alguma forma está lá, mais no gesto do que entre as cores, mais na estrutura geral do que no detalhe, e que sopra sobre nós como a aragem da vida. É esse sopro que dá densidade à obra de alguns pintores, e que falta a outros, por mais prolíficos que sejam, por maior que seja sua intencionalidade. Esse sopro, esse isto é o que no final das contas distingue aquilo que está morto do que está vivo.
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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Giacometti

As tentativas é que contam


Poema escrito por Giacometti em outubro de 1965, três meses antes de morrer, enquanto cruzava o Atlântico:


nada disso é grande coisa
pintura escultura desenho
escrita, ou melhor, literatura
tudo isso tem seu valor
e só

as tentativas é que contam
eh, maravilha


Tout cela n'est pas grand'chose,
toute la peinture, sculpture, dessin,
écriture ou plutôt littérature,
tout cela a sa place
et pas plus.

Les essais c'est tout,
Oh Merveille!


Tradução: Carlos Dala Stella

sábado, 16 de abril de 2011

Mulher com borboletas


 MULHER COM BORBOLETAS
acrílica sobre tela
120x70cm


Caderno de Ateliê 40


Esse recorte preto andou de um canto a outro do ateliê por mais de um ano, como marcador de leitura, suporte para afinar ponta de lápis, ou simplesmente esquecido pelo chão. Não sei o que pretendi, nem sei se é canoa, banheira, brinquedo o que transporta as duas figuras. Muitas vezes tive-o nas mãos, pensei em colá-lo em uma folha e iniciar uma colagem, algo mais complexo. Até que um dia desses, tomado por essa atitude de descarrego, colei-o em meu caderno de ateliê atual e borrifei nanquim nas duas folhas, borrando a tinta preta ainda úmida com papel higiênico. Faltava algo, fiz o guarda-chuva. Não sei do que se protegem as duas figurinhas. Chuva não é. Parece que navegam em céu ácido.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Jean Cocteau


Em 2001 fiz uma série de retratos. Este é um dos 4 dedicados ao multiartista francês Jean Maurice Eugène Clément Cocteau. Misturei desenho e recorte. O resultado foi essa máscara de introspecção.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

da série Sombras

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No ateliê de escultura de Claudio Alvarez, recortei algumas sombras. Divido essa série em dois grupos, um de fotografias tal qual foram captadas e outro, menor, de imagens que manipulei, na cor e na luminosidade, nunca no formato.