segunda-feira, 24 de setembro de 2012

peixes brancos



Dois peixes, estudos para o painel de Santo Inácio, em que trabalho diariamente desde agosto. O primeiro em papel, o segundo em isopor. Nos próximos dias devo fundir em cimento o peixe da forma de isopor. Assim avalio principalmente os detalhes queimados com pirógrafo. Se a coisa funcionar, transporto essas soluções para o grande painel.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012





Dia desses, antes que algumas visitas chegassem, me pus a desenhar sobre uma tela há meses no cavalete, esboçada com linhas praticamente invisíveis. Quando dei por mim, estava no meio de uma estrutura complexa, mobilizado até a medula, mas de certa forma distraído, mobilizado por uma atenção de viés. Isso tem me acontecido com certa frequência, quanto mais alheio, obediente a sabe-se lá que fio condutor, melhor trabalho. É como se eu me entregasse, desprevenido, ao mais desconhecido em mim mesmo. Assim sem temor, sem pompa, sem expectativa. Entregue ao acaso das mãos, decerto conectadas ao que me passa pela cabeça, mas como se autônomas. Como se eu fosse uno e todo à superfície. Quando na verdade sou um feixe de fragmentos mal cosidos, cheio de temores e pressentimentos.

Hoje cedo me aconteceu algo idêntico, enquanto o pessoal do Estúdio 42 filmava o "processo" (que palavra horrorosa!) de criação das formas em isopor para o painel de Inácio de Loyola, em cimento, para o Colégio Medianeira. Inventei de recortar de improviso o peixe que é um dos elementos do conjunto. E as coisas foram se dando, quanto mais me entreguei ao gume da pequena faca que uso para cortar o branco do isopor, mais os volumes foram se organizando, assim de graça. Tudo que tenho que fazer é ficar à superfície, longe da gosma "do íntimo da alma humana". Pode que a colheita se dê, pode que não.

Muitas vezes é a pressão de tempo que me põe nesse estado. Às cinco horas tenho que jatear um vidro na vidraçaria. São três da tarde e eu ainda não comecei o que já deveria estar pronto. Me concentro e no limite do desespero ataco. E o estilete inventa linhas, corta, separa, correndo de um extremo ao outro da lâmina de vidro. Parece que nada vai funcionar, mas quando vejo algo se deu. Corro para a vidraçaria. A sensação ruim ainda continua, mas tudo está lá, muito mais do que o previsto. E eu não compreendo mais nada. Então quanto mais me dedico, minucioso, mais empato o jogo, quanto mais corro e improviso, melhor o resultado? É como se eu tivesse que mergulhar para a superfície, para a superfície abissal da realidade.

O que se dá é mais ou menos isso: quanto mais me cobram, mais me disperdiço. E o desperdiço me devolve a um eu que eu mal sabia em mim, um estranho com quem convivo entre contente e desconfiado. Silenciosamente agradecido.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

mulher-pomba com violão/estudos




Passei o ano de 2005, e boa parte de 2006, dedicando-me a esse pequeno painel. O projeto final inclui uma peça de cimento, decomposta em puzzle, fixada num vidro trapezoidal jateado, e uma tela no mesmo formato. Esses três elementos, sobrepostos, compõem uma única obra. Dialogando com o conjunto, fiz ainda dois vidros retangulares jateados para uma porta, também inspirados na música, especialmente na música para violão.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

literatura contemporânea


O grande mal da literatura contemporânea feita especialmente por professores universitários e jornalistas é investir demasiada e exclusivamente naquilo que diz, como se apenas a intencionalidade das ideias bastasse para construir uma visão de mundo, deixando em segundo plano o ímpeto de dizer, seja ele movido pelo desespero, pelo desconsolo, pela relativa alucinação ou pelo empuxo da alegria.

Nas grandes obras de arte, a construção minuciosa das várias camadas de significado anda a par e passo com a necessidade irrevogável de existir. É essa urgência que as distingue do mar de obras cheias de inteligência e vazias de pressentimentos. O sentido, tanto quanto o consolo que encontramos nelas, provém mais do impulso com que o autor transcende a realidade do que daquilo que nelas vai dito explicitamente. Mas é preciso ter coragem para entregar-se a esse impulso vital pleno de abstrações e obscuridades. E não há volta.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

8 X CHUNG TOI










O jogo da velha em que nunca há empate leva o nome de seu criador, Chung Toi. Estas são algumas versões que fiz do jogo, entre tantas outras. 


sexta-feira, 27 de julho de 2012

meu JARDIM







Última placa de vidro do painel "jardim", pronta para ir para a cabine de jateamento. O que está coberto pela fita fica transparente, o que está descoberto fica fosco. Camuflada entre as folhas da costela de adão, uma pequena lagartixa; no alto uma corujinha voando, na base do vidro um carreiro de tanajuras. E assim as sete placas, num total de 12,5 m², estão prestes a serem instaladas, depois de quatro meses ininterruptos de trabalho.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Gengibre vermelho





Mais do que esboçar o trabalho final, com estudos como esse pretendo definir um ritmo, ao memo tempo que vou acostumando a mão a ele, seja usando o lápis, seja usando o estilete. E espero que a mão seja capaz de improvisar naturalmente no momento preciso. Sem esquecer os achados anteriores, como o xadrez que se deu nesse estudo em vidro do hedychium coccineum, popularmente comhecido como gengibre vermelho.

O painel de vidro, ao qual esse detalhe remete, com um ritmo que se mantém de uma planta para outra, nos melhores momentos abstratizado, ele equivale a um concerto de câmara, mais especificadamente a um quarteto de cordas. Mas com humor, dado pelos pequenos animais que vou introduzindo, quase sempre ao rés do chão. Tudo envolto em um silêncio de água, mais do que de ar, o que se deve à incidência da luz sobre as áreas jateadas do vidro. Gravar em vidro alia precisão e improviso.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

bicicleta no mato



fotografia (do livro Bicicletas de Montreal)
cópia preto e branco, feita em laboratório químico
80x110cm (incluídos passepartout e moldura em alumínio)
R$ 4.200,00


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Eugenio Montale / 4



MOTIVOS


Talvez não tenha sido inútil
tanto esforço
tanta dor.

Talvez pense assim
de nós e de si mesmo
esse falso papagaio tropical
que palra na gaiola
imitando nossa voz.

Há quem palre demais
e quem palre de menos.
Humanos são os dois extremos.





MOTIVI

Forse non era inutile
tanta fática
tanto dolore.

E forse pensa
così di noi e di sé
questo pseudo merlo orientale
che fischia nella sua gabbia
e imita la nostra voce.

C’è chi fischia di più
e c’è chi fischia di meno
ma anche questo è umano.


Tradução de Carlos Dala Stella

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dalton Trevisan



  




O coração da alcachofra


Li Desgracida em São Paulo, de madrugada. A outra metade no final da manhã, ainda na cama. Encantado com o peixe vivo no extremo de cada linha. Quanto mais curto o verso, mais certeira a punhalada de lírios e rosas. E um espanto me rondando, como é possível essa vivacidade ininterrupta, aguda de doçuras e espelhos?

Se o contista é uma alcachofra de folhas chupadas, o que sobra no prato da página é o melhor: o coração da alcachofra. Quando antes um ponto final tão lúcido na literatura brasileira? Só em Machado, mas nele faltou a doçura que em Dalton matiza toda ironia.

E isso agora, essas cartas fechando o volume, mal traçadas linhas? Só a primeira, dirigida a Pedro Nava, vale por uma oração. Vai nela um elogio tão sincero, de grandeza tão desmedida, que nos vemos no encontro de dois imensos rios. Do gênio do Negro e do Solimões, surge o Amazonas que nos banha a todos.

E quando desce o ferro em O General em seu Labirinto? Só a ponta da lança, o veneno sem adjetivo. Quanta distância dos cenográficos andaimes da crítica de jornal. No lugar da pose, a auto-ironia de arara bêbada. No lugar do ventriloquismo exibicionista, a pedrada contra a lei morta do silêncio.

A cada página de alegria tão desgracida, a certeza como um tônico. Morar nessa cidade, sabendo que Dalton vive nela, redobra meu ânimo. Incrédulos, que Belém que nada, o Amazonas passa por aqui. 


sexta-feira, 29 de junho de 2012

Desencontro


Nunca falou-se tanto da necessidade de encontro. O teatro, repetem incansavelmente diretores e atores, é um local de encontro, sagrado às vezes, em meio à correria do dia a dia; as redes sociais propiciam encontros fascinantes, embora fluidos em sua frivolidade, impensáveis há alguns anos, e reencontros quase impossíveis com quem se havia perdido o contato; segundo um consenso coletivo informal, os espaços públicos têm que ser tomados mais e mais com grandes movimentos espontâneos, sem motivo evidente senão o próprio encontro; as agências de namoro, os sites, blogs, as igrejas pentecostais, todos querem propiciar algum tipo de encontro.

Mesmo o estado tenta dar conta dessa demanda por encontros, embora na maioria das vezes atue mesmo é como bombeiro. Os telefones, os celulares, o skype, o MSN permitem que se fale com várias pessoas ao mesmo tempo, potencializando os encontros. Parece haver um acordo planetário para que nos encontremos mais e mais, sempre, claro, pautados por plataformas pré-definidas, onde cada clique nos localiza geográfica, econômica e culturalmente, fazendo subir as ações desta ou daquela empresa.

No entanto, quando antes as conversas foram tão truncadas por tanta publicidade, por tantas mensagens, por outro chamado telefônico, por novos e velocíssimos encontros? Nos desencontramos rapidamente com amigos que não víamos há meses no lançamento de um livro, ou em um show; nos desencontramos indo de um palco a outro da virada cultural, entre fragmentos de inexpressão verbal; nos desencontramos na conversa rala e efusiva durante a ponte aérea Rio-São Paulo; nos desencontramos no entrecruzamento dos círculos de amigos, conhecidos, familiares do google +,  nos desencontramos nas festas, nos bares, nos cafés, na cama, rapidamente, pele com pele, para voltarmos a mergulhar cada um em seu ritmo desenfreado de doces agonias; e nos desencontramos principalmente nas redes virtuais, reduzidos a um polegar positivo, a uma curtição, a um toque, a um parabéns, a um compartilhamento de nada vezes nada para o galáctico nada.

E culpamos o tempo, reduzindo-nos com docilidade à rala linha do tempo do facebook, onde não cabem as delicadezas da subjetividade, muito menos seus temores, onde não cabem sequer as alegrias sem sentido que nos movem nessa ou naquela direção, gratuitas como a laranja que se colhe do pé, como o miolo do pão ou o toque das línguas no beijo. Culpamos a falta do mesmo tempo que jogamos fora com uma desenvoltura e uma sem-cerimônia que deveria nos espantar, se é que estamos vivos - vivos do eterno espanto de viver.

O que está em curso, nesse caótico emaranhado de fluxos, é uma desagregação violenta. Quando os amigos não têm mais tempo para os melhores amigos, quando o amor não tem mais tempo para se dilatar preguiçosamente no corpo infinito do amado, quando se deixa de dedicar tempo para o aprofundamento dos prazeres que mais nos movem, quando se politiza tudo por razões sociais, da arte até a mais íntima intimidade, são mínimas as chances de nos encontrarmos pra valer.

Como antes e sempre, vivemos nos desencontrando, mas agora por excesso de encontros, ou melhor, pelo excessivo desejo de encontrar, pouco importa quem, onde ou por quanto tempo. Preferimos viver no fluxo vertiginoso dessa cadeia aparentemente infindável de encontros e mais encontros. É fake.  

segunda-feira, 18 de junho de 2012

a arte como distrato social




O que não se percebe é que quando toda arte é patrocinada – de uma exposição a um desfile de moda, de um livro de poemas a uma performance, de um show de música ao grafite nas colunas de um viaduto – não se pode transgredir os limites do projeto, não se pode desapontar as expectativas das partes envolvidas, não se pode enfim romper com as cláusulas acordadas. Como se o fim último da arte fosse o estabelecimento de um contrato, num momento em que necessitamos mais do que nunca que o artístico seja objeto de um distrato social.

 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Picasso






Picasso nunca transcendeu a potência de si mesmo, a provação de sua potência. Por isso suas pinturas carecem tanto de significado. Elas se resumem a achados plásticos. O que o salva é a alegria de tê-los encontrado.   

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Bicicleta 1





Do livro Bicicletas de Montreal

3 x é




Pouca coisa é mais estéril do que o elogio.1



Twitter é pra quem tem ejaculação precoce - se olhando no espelho.2



A publicidade é irmã da usura: ambas transformam um milímetro na bosta do milhão.3



quarta-feira, 6 de junho de 2012

o presente


O passado se foi, não posso ressuscitar meus mortos. O futuro nunca chegará a tempo, que posso fazer do que não nasceu? Só o presente me acompanha, de uma ponta à outra do agora. Tudo o que me interessa está vivo.



terça-feira, 5 de junho de 2012

bolachas de chopp / aldeia do beto



Essas bolachas de chopp fazem parte do material gráfico criado para o restaurante e espaço cultural Aldeia do Beto. A ideia é criar uma marca mutante, com desenhos sempre novos de moinhos, ora impressos em cartazes, gravuras serigráficas, ora em camisetas, adesivos, banners, cardápios... Sempre com um pé na arte e outro no desenho gráfico. Por isso conto com a colaboração supercompetente da design Clarice Fenstersiefer. Juntos viabilizamos a concepção geral do projeto, nascida do desejo visionário de Robert Amorim de fundir, de modo cada vez mais sensível, gastronomia e cultura.

    

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O mato comeu






Toda vez que leio que o IPI dos automóveis baixou, me pergunto por que não baixam o IPI dos livros, dos instrumentos musicais, do nanquim, do óleo, da acrílica? E toda a nossa imprensa comemora, abestalhada. Que solução econômica medíocre incrementar o deus consumo entupindo as ruas de mais automóveis. Eles falam em qualidade de vida, e eu penso em qualidade espiritual, qualidade de imaginação, de subjetividade. Eu e um bando de gente, para quem o automóvel não passa de um amontoado de lata, plástico e circuitos computadorizados, por mais atraente que pareça. Mil vezes nossas pernas tortas do que essas maravilhosas porcarias importadas. Uma frota de automóveis zero quilômetro não vale uma borboleta, não vale uma única bicicleta, solitária, presa num poste do terminal Guadalupe, de madrugada - prestes a ser roubada .


sábado, 2 de junho de 2012

casal enamorado



Casal Enamorado
cimento comum e cimento branco estrutural
100x100x30cm

Fiz essa peça pouco antes de Gabriel nascer, há 17 anos. Há uma tela com o mesmo tema, quase no mesmo formato, em acrílica, na casa do Cristovão Tezza. Na tela o corpo da mulher está decorado com flores de maracujá. Aqui brinquei com os estudos de água de da Vinci, ao fundo. O painel foi exposto apenas uma vez, na Casa Andrade Muricy, a tela nunca.

terça-feira, 22 de maio de 2012

sobre AS REPRODUÇÕES


Prefere-se as reproduções, hoje, devido a sua enganadora nitidez, que os originais jamais tiveram, trate-se de uma pintura de van Gogh ou de uma gravura de Poty. A vivacidade de um original é feita de sujeira, de suor, de pó, de tinta vencida, de hesitações que a reprodução, por mais fiel que se pretenda, não capta.

.

sobre OS SONHOS


Hoje, quando existe na internet um portal para compartilhar os sonhos, que depois de tipificá-los em categorias que vão do sonho bom ao sonho mau promete inclusive tentar satisfazê-los através de atitudes colaborativas, as possibilidades de que nossos sonhos sonhem são cada vez mais remotas. Há sempre alguém por perto tentando nos convencer de que seu sonho, ou o nosso, é um bom negócio e portanto merece que se invista nele. Isso vale há décadas para a indústria do cinema e da música, e mais recentemente para as várias modalidades de micro-empreendedores individuais; vale tanto para quem reduz cultura a entretenimento, como para quem pretende exercer sua indignação padronizada em relação aos modelos conservadores vigentes. Ou seja, se esfarele em diversão ou se condense em crítica, o sonho acaba virando sempre um negócio, um investimento. As rotas de fuga do sonho estão obstruídas e o sonho de revolta há muito provoca riso. Momentaneamente, sonhamos o básico e ao rés do chão.

sobre OS COLETIVOS em arte


Hoje, quando os coletivos, em arte, estão na moda, não se espere de sua produção nada que vá além do desejo da coletividade, por mais esclarecida que ela se considere. Os coletivos são associações engajadas em torno de ideias e princípios que de alguma forma respondem a aspirações sociais, não do risco estético, que eles ingenuamente desprezam e que provavelmente não sabem como avaliar. Raramente os membros de um coletivo engajam no que fazem sua individualidade mais radical - carência fatal em arte.

.

sábado, 19 de maio de 2012

Pierre-Auguste Renoir






Com esse desenho de Renoir dou continuidade à série de retratos que fui compondo ao longo do tempo. Nela incluo pessoas por quem nutro grande admiração, mais ou menos conhecidas. A ideia é que esse conjunto um dia vire um livro, uma pequena exposição, quem sabe...

Mais e mais os retratos me permitem exercitar uma linha que de outra forma eu não saberia como exprimir. E a linha, uma única linha, guarda possibilidades incomensuráveis de investigação do humano. É uma pena que o desenho, especialmente o desenho de um rosto, tenha se tornado tão obsoleto no período que há décadas chamamos, sem constrangimento algum, de contemporaneidade - como se em outros tempos as pessoas não tivessem sido contemporâneas de si mesmas.

terça-feira, 15 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Admirável Ovo Novo, lançamento




Com o passar do tempo algumas pessoas ficam doces, algumas, não a maioria - a maioria, como acontece com o leite, azeda. Ficaram doces o poeta Mario Quintana, minha nona Iza, o geógrafo Milton Santos...  É surpreendente como a doçura ganha pouco a pouco algumas pessoas, até transbordar. Cada vez que vejo e ouço Paulo Venturelli sinto isso. E fico bobo de ver como o inspirado, o inconformado, o outrora intempestivo amigo foi se enchendo de doçura, sem que com isso ficasse comprometido um tico de sua inspiração, sem perder nada de seu inconformismo crítico, sem que seus arroubos barroco-diluvianos deixassem de nos inundar com um mar de vigor. Mesmo quando põe o dedo na ferida -  quantas vezes ouvi dele essa expressão! - o Venturelli de hoje não consegue disfarçar nos olhos o doce que lhe vai dentro. É desse híbrido que sua literatura se alimenta cada vez mais. Veja o título desse livro: Admirável Ovo Novo, vai nele três vezes a ênfase positiva que o autor sempre pôs em tudo o que escreve, e vai doçura dirigida à criança que nunca morreu em nós.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Eugenio Montale / 3


O SABIÁ


O sabiá canta no chão, não em árvore,
foi o que andou dizendo um poeta sem asas,
e decretou o fim de todo vegetal.
Há quem não cante nos ares nem por terra
e ignoro se é pássaro, homem ou outro animal.
Vivo ou morto, hoje está reduzido à borra
do zero. E já é demais pelo nada que vale.



IL SABIÀ


Il sabià canta a terra, non sugli alberi
così disse una volta un poeta senz’ali,
e anticipò la fine di ogni vegetale.
Esiste poi chi non canta né sopra né sotto
e ignoro se è uccello o uomo o altro animale.
Esiste, forse esiteva, oggi è ridotto
a nulla o quasi. È già troppo per quel che vale.

tradução de Carlos Dala Stella